Como saber se já tomei vacina de varíola? Ela funciona contra o vírus monkeypox? - Brasil
VACINA

Como saber se já tomei vacina de varíola? Ela funciona contra o vírus monkeypox?

Brasil aplicou imunizantes até o fim da década de 1970, mas não há garantia de que eficácia seja mantida após todo esse tempo


📲 Siga o A10+ no Instagram, Facebook e Twitter.

Pessoas vacinadas no passado contra a varíola teriam alguma proteção contra a varíola do macaco (monkeypox) no surto atual? Esta é uma pergunta que tanto cientistas como a população têm feito a si próprios desde que o maior surto da doença começou, em maio deste ano, e se espalhou por mais de 80 países.

A varíola é uma doença que matou cerca de 500 milhões de pessoas ao longo da história e foi declarada erradicada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 1980, graças aos esforços globais de vacinação iniciados anos antes.

  

Como saber se já tomei vacina de varíola? Ela funciona contra o vírus monkeypox?
Reprodução
   

Naquela mesma época, um primo do vírus causador da varíola começara a infectar humanos: o monkeypox. Menos letal, o vírus se tornou endêmico em alguns países da África, como a Nigéria e a República Democrática do Congo.

O único surto fora do continente africano até então havia sido nos Estados Unidos, em 2003, com 47 casos confirmados em seis estados. A causa foi um carregamento de roedores importados de Gana.

Um dos primeiros indícios de que a vacina contra a varíola pode ter algum efeito contra o vírus monkeypox pôde ser observado naquela ocasião, lembra a virologista Clarissa Damaso, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro Comitê Assessor da OMS (Organização Mundial da Saúde) para Pesquisa com o Vírus da Varíola.

"Claramente se via que, em uma mesma casa, pessoas que tinham sido vacinadas contra a varíola faziam um quadro mais brando, com menos lesões do que as crianças ou outras pessoas não vacinadas, por exemplo."

Ela acrescenta que na Nigéria e na República Democrática do Congo, "a maior parte das pessoas que contraem monkeypox também está abaixo de 40 anos", justamente quem nasceu após a erradicação da varíola e, portanto, quando já não havia mais vacinação.

Com o passar dos anos, as vacinas antivariólicas deixaram de ser fabricadas no Brasil – e também em boa parte do mundo –, já que não fazia mais sentido imunizar pessoas contra um vírus que havia desaparecido.

Estrategicamente, países como os Estados Unidos mantiveram estoques desses imunizantes por medo de um ataque biológico. É justamente o estoque que tem sido utilizado neste primeiro momento para tentar frear o surto de varíola do macaco.

Estou vacinado?

Clarissa conta que o Brasil aplicou vacinas contra a varíola em forma de campanha anual até, mais ou menos, 1975.

"Aqui, usava-se muito a pistola, que é um injetor da vacina. Eram [repetidas] todo ano aquelas campanhas. Eu lembro que íamos para a escola pública, ficavam vacinando no sábado, domingo, aquelas filas enormes de crianças..."

Com base na idade, é possível deduzir se você tomou ou não a vacina, mas há outro detalhe mais específico, acrescenta a virologista.

"Tem como saber, é pela famosa pega. A pega é uma marca deixada pela vacina antivariólica quando se usa vacina de vírus replicante, como é o caso da ACAM2000 atualmente, e como era o caso de todas as vacinas antivariólicas que eram dadas na época. O vírus replica na pele da pessoa no local da inoculação, fica aquela pústula maior do que as de monkeypox, por conta do jeito que é aplicada. Depois que cicatriza, fica a marca, que a gente chama de pega. Em inglês, é o take."

Segundo a especialista, essa marca geralmente é no braço esquerdo, tem aproximadamente 2,5 cm, e representava uma espécie de carteira de vacinação contra a varíola antigamente.

Além disso, quem tem a cicatriz desenvolveu – pelo menos naquela época – anticorpos contra o vírus da varíola e os do mesmo gênero, os orthopoxvirus, que inclui também o da varíola bovina (cowpox) e o vaccínia, por exemplo.

A virologista pontua que a cicatriz da vacina antivariólica é maior do que a da vacina BCG, contra a tuberculose, aplicada no braço direito, e que muitos jovens têm.

Vacina no passado não é garantia

Como o vírus da varíola desapareceu e o monkeypox só teve agora um surto de extensão global, existe uma escassez de informações acerca da duração da imunidade conferida pelas vacinas e do grau de proteção delas contra diferentes orthopoxvirus.

"O dado hoje de não ter tantas pessoas mais velhas infectadas também sugere que possa estar havendo algum tipo de proteção. Mas é muito cedo [para afirmar algo]. A população que ainda está sendo acometida são jovens, dificilmente isso ainda foi posto à prova de verdade. Espera-se que algum grau de proteção seja conferido pela vacina, mesmo sendo um tipo diferente, mas não se sabe se uma proteção total, parcial e muito menos com longa duração", explica o pediatra infectologista e membro da diretoria da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) Renato Kfouri.

Um estudo publicado recentemente na revista científica The New England Journal of Medicine demonstrou que a idade média dos pacientes com monkeypox era de 38 anos.

Outro ponto que precisa ser observado, segundo Clarissa, é a quantidade de doses que cada pessoa tomou no passado. Para alcançar o mesmo nível de imunidade conferido pela doença, eram necessárias três doses.

Dessa forma, muitas pessoas que nasceram a partir de 1975 podem ter tomado apenas uma ou duas doses.

A ausência do contato com um vírus ao longo dos anos também faz com que o efeito das vacinas seja perdido com o tempo, salienta a pesquisadora.

"Sabemos que toda a nossa imunidade é construída não só com as vacinas que já tomamos, mas também pela exposição ao patógeno na nossa vida."

Ela cita, por exemplo, o surto de sarampo no Brasil, em 2019, quando pessoas vacinadas começaram a ser infectadas por um vírus que havia sido declarado erradicado do país cerca de três anos antes. Naquela época, foi necessário imunizar novamente uma parcela da população.

Cinco pontos que cientistas ainda desconhecem sobre a varíola do macaco

O atual surto da varíola do macaco (monkeypox) começou em maio deste ano, e de lá para cá já são quase 25 mil infectados, em 83 países, de acordo com levantamento em tempo real da iniciativa Global Health. Muitas características já foram descobertas sobre o vírus, um velho conhecido de pesquisadores. Porém, os cientistas seguem com pelo menos cinco dúvidas sobre o monkeypox, segundo um comunicado emitido pelos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos nesta semana. 

De acordo com os CDC, ainda não é possível dizer até que ponto as crianças, as pessoas imunocomprometidas e as grávidas correm o risco de, se infectados, desenvolverem a forma mais grave da doença, como foi visto em surtos anteriores no continente africano

Há uma semana, a OMS (Organização Mundial de Saúde) divulgou em coletiva de imprensa quem fazia parte do grupo de risco da doença. Em transmissão feita nas redes sociais da organização, nesta terça-feira, a líder técnica de monkeypox da OMS, Rosamund Lewis, ressaltou que é possível que esses grupos desenvolvam doença grave. 

 'Pessoas em uso de medicamentos imunossupressores, em tratamento quimioterápico, algumas que tenham HIV, mas não estejam completamente tratadas, então elas podem ter algumas questões imunológicas. E há pessoas que naturalmente têm uma imunidade mais baixa, por exemplo, crianças ou pessoas grávidas, que podem passar o vírus para o feto, e o bebê pode nascer com o vírus. Então, há algumas situações em que as pessoas podem ter risco de doença grave', afirmou Rosamund Lewis

Outra questão que ainda intriga os cientistas e que foi relatada pelos CDC se refere à frequência com que a varíola do macaco pode ser transmitida a partir de secreções respiratórias. Além de não se saber quando, durante a infecção, uma pessoa com sintomas de varíola de macaco pode ser mais propensa a espalhar o agente infeccioso por meio dessas secreções. 

A presença dos vírus em fluidos corporais segue em estudo por cientistas do mundo todo. A dúvida é se o vírus monkeypox está presente em secreções orais e respiratórias, urina, fezes e sêmen. No caso de ser encontrado, os pesquisadores querem saber se essa é causa de a transmissão estar tão rápida no atual surto. Em estudos feitos na Itália e em Barcelona, já foram encontradas amostras do vírus no sêmen e na saliva

Há uma semana, a OMS (Organização Mundial da Saúde) admitiu que a doença pode ser considerada sexualmente transmissível. Todavia, o conselheiro da OMS Andy Seale, especialista em HIV, hepatite e ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), afirmou que conselheiros da agência estão analisando a questão.
'Em resumo, eles [especialistas] concluíram que essa é claramente uma doença transmitida durante o sexo e, portanto, é configurada como uma doença sexualmente transmissível, mas ainda não foi classificada como tal. Eles ainda estão comparando essa com outras doenças, avaliando dados laboratoriais'. 

A quinta questão que ainda está sendo estudada por cientistas também se refere aos fluidos corporais. Os especialistas pesquisam se as pessoas com problemas no sistema imunológico, quando infectadas, têm uma quantidade maior do vírus monkeypox presente em seus fluidos corporais


Fonte: R7


Dê sua opinião:

Fique conectado