O governo brasileiro decidiu não assinar um comunicado conjunto dos Estados Unidos e mais dez países latino-americanos (Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai) que “rechaçaram categoricamente” o reconhecimento da reeleição do ditador Nicolás Maduro na Venezuela.
O TSJ (Tribunal Supremo de Justiça), corte que é a instância judicial máxima do país e jamais contraria o regime chavista, validou a reeleição de Maduro na disputa presidencial realizada em 28 de julho, em decisão que não surpreendeu o governo brasileiro. A corte, porém, não tornou públicos documentos que embasaram seu pronunciamento e decidiu colocá-los sob custódia judicial. O tribunal afirma ter conduzido uma perícia no material entregue pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral) e que sua decisão encerra o caso.
Um dos interlocutores de Amorim, o líder chavista Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, provocou o ex-chanceler exigindo que a Justiça do país seja respeitada no mundo todo. Em declaração, ele comparou o processo eleitoral venezuelano ao brasileiro e disse: “ouviu, senhor Celso Amorim?”.
União Europeia recusa aceitar resultado
O documento assinado pelos EUA e os outros dez países da América Latina diz que tanto a corte suprema quanto o CNE da Venezuela carecem de “imparcialidade e independência”.
“Somente uma auditoria imparcial e independente sobre os votos, que avalie todas as atas, permitirá garantir o respeito à vontade popular soberana e a democracia na Venezuela”, afirmaram os países no comunicado conjunto, emitido na noite desta quinta-feira (22), após a decisão do TSJ ser anunciada.
A União Europeia também afirmou que não vai aceitar a certificação encomendada por Maduro e emitida pelo tribunal.
Josep Borrell, alto representante da União Europeia para Assuntos Estrangeiros de Política de Segurança, disse nesta sexta-feira (23) que o bloco não aceitará a certificação da corte chavista, sem que o tribunal emita qualquer documento comprobatório.
“Estamos dizendo que este resultado eleitoral deve ser comprovado. Até o momento, não vimos nenhuma prova. Enquanto não virmos um resultado verificável, não vamos reconhecê-lo”, disse Borrell, que exerce função similar a de um chanceler dos 27 países do bloco.
Decisão do TSJ
A presidente do TSJ, Caryslia Rodriguez, disse que os peritos “certificam inquestionavelmente o material da perícia e validaram os resultados emitidos pelo CNE onde Nicolás Maduro foi eleito”. “Com base nos resultados da perícia, concluímos que os boletins do CNE estão respaldados pelas atas emitidas pelas máquinas de votação e mantêm plena coincidência com os registros das bases de dados”, afirmou a magistrada.
A reportagem questionou a Presidência da República e o Itamaraty sobre o posicionamento oficial do País após a ratificação da reeleição na Corte, mas, até a publicação deste texto, não havia sido enviada uma resposta.
Apesar do posicionamento dos demais países, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não se pronunciou sobre a decisão do Tribunal Supremo de Justiça e telefonará ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro, para coordenar uma posição comum.
Lula já indicou que não está disposto a reconhecer a reeleição do ditador e aliado Nicolás Maduro, mesmo depois do endosso emitido por um tribunal controlado pelo regime. A tendência é que também divulguem uma nota conjunta, com teor que não altera posições anteriores.
A decisão do TSJ também tornou mais difícil que Lula atenda a um pedido de telefonema de Maduro, feito há mais de 20 dias. O petista sugeriu que Petro participasse. Desde então, ambos têm manifestado publicamente em entrevistas visões conflitantes.
Maduro já rechaçou as ideias propostas por Lula e Petro, entre elas a realização de novas eleições com garantias especiais aos dois lados. O ditador acusou Lula e Petro de promoverem uma “diplomacia de microfone”, sugeriu que os aliados se intrometiam em assuntos domésticos do país e exigiu que o pronunciamento da Corte Suprema fosse respeitado.
A realização da chamada telefônica foi discutida nas últimas horas. Desde a manifestação oficial do TSJ, auxiliares de Lula entraram em cena para discutir que caminho tomar, diante da decisão de Maduro de tentar encerrar a disputa pela via judicial.
Integrantes do governo a par da articulação dizem que o Brasil não vai ceder. Na semana passada, o governo brasileiro — por meio de Lula e do assessor especial Celso Amorim — anunciaram pela primeira vez que não reconheceriam um presidente eleito na Venezuela, enquanto as atas eleitorais que atestassem a votação não fossem publicadas, a fim de permitir uma verificação imparcial.
Confusão no pleito
Desde a votação em 28 de julho, um impasse político tomou conta da Venezuela e mobilizou a comunidade internacional. O regime e a oposição, na figura do candidato Edmundo González, reclamam ter vencido a disputa pelo Palácio Miraflores, que poderia por fim ao regime chavista após 25 anos.
O Conselho Nacional Eleitoral, órgão que promove as eleições e também é chefiado por aliados de Maduro, proclamou Maduro vitorioso com 52% dos votos contra 43% de González. O conselho afirmou ter sofrido um ataque hacker e, mudando o costume, não divulgou qualquer ata das mesas de votação que comprove sua contagem.
A oposição, por sua vez, coletou e divulgou online cópias de atas que mostram uma vitória de González por 67% dos votos contra 30% de Maduro. Os documentos publicados correspondem a cerca de 25 mil atas de votação — 82% do total. Instituições independentes verificaram essa documentação e a reputaram como confiável.
Os Estados Unidos, a União Europeia e países latino-americanos declararam reconhecer que González conseguiu demonstrar sua vitória. Outros países como China e Rússia reconheceram Maduro.
Desde o pronunciamento do TSJ, as tratativas diplomáticas incluíram telefonemas de alto nível político, entre o chanceler Mauro Vieira e seus homólogos da Colômbia e outros países da região. Parte deles já se manifestou em viés crítico.
Embaixadores envolvidos nas conversas entendem que o cenário está mais complicado e que deve aumentar agora a pressão sobre Maduro, depois que ele fechou ainda mais as portas a qualquer tentativa de mediação. O risco de recrudescimento do regime também preocupa.
Houve ao menos 23 mortes e entre 1,5 mil e 2,4 mil encarceramentos — sendo centenas de crianças e adolescentes. Entidades de direitos humanos e o regime chavista diferem na contagem, sendo que as forças oficialistas divulgam os números mais dramáticos, algo interpretado como uma estratégia de causar temor. Lideranças da oposição, como González e María Corina Machado, também estão na mira e disseram atuar agora escondidos na clandestinidade.