Após meses de negociações e manobras regimentais, o Senado concluiu a votação do projeto conhecido como PL da Dosimetria, voltado à redução de penas aplicadas aos condenados pelos atos de 8 de Janeiro de 2023.
A aprovação transfere agora o centro da decisão para dois outros Poderes: o Executivo, responsável pela sanção ou veto, e o STF (Supremo Tribunal Federal), onde o texto vai enfrentar contestação jurídica.
O projeto segue para análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cercado por aliados que apontam veto como desfecho provável. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), considera que a matéria está “fatalmente” submetida ao veto.
Esse desfecho deverá ser confirmado em um prazo de até 15 dias a partir da data em que o Planalto for comunicado da aprovação. O Congresso ainda poderá resgatar a proposta e tornar o texto lei por decisão própria. Mas isso depende de uma sessão conjunta, entre deputados e senadores, que ficaria para 2026.
Mandado de segurança para o STF
Paralelamente, a proposta passa a ser alvo direto do Judiciário. Líderes de quatro bancadas da Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias, Pedro Campos, Renildo Calheiros e Talíria Petrone impetraram ainda na noite de quarta, um mandado de segurança no STF, dirigido especificamente par ao ministro Alexandre de Moraes, que cuida do caso, para suspender a tramitação do projeto.
O argumento central aponta violação ao princípio do bicameralismo, ao permitir que o Senado alterasse o alcance da proposta sem novo exame da Câmara. A emenda restringiu os benefícios da Dosimetria apenas aos crimes relacionados ao 8 de Janeiro, após deputados terem aprovado um texto mais amplo, com reflexos sobre outras tipificações penais.
Os líderes também questionam a condução do processo na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), citando encurtamento do prazo de vista e limitação do debate. Para eles, a combinação desses fatores comprometeu a regularidade do processo legislativo, abrindo espaço para controle jurisdicional por parte do Supremo.
Os conflitos entre Poderes
O avanço da Dosimetria ocorre em meio a uma sequência de atritos entre Congresso e STF. Um dos principais embates envolve o marco temporal das terras indígenas, aprovado pelo Legislativo e questionado no Supremo, onde ministros sinalizam entendimento divergente sobre o critério de demarcação.
Outro foco de tensão surgiu com projetos aprovados na Câmara para limitar decisões monocráticas de ministros do STF, iniciativa vista por parlamentares como resposta ao que classificam como ativismo judicial. No Judiciário, a leitura dominante aponta risco de enfraquecimento da atuação institucional da Corte.
Decisões envolvendo perda de mandato parlamentar também ampliaram o desgaste. A manutenção, pelo STF, da anulação de votação da Câmara relacionada à cassação da deputada Carla Zambelli gerou críticas de líderes partidários, que enxergaram interferência direta em atribuições do Legislativo.
As disputas avançaram ainda para o campo orçamentário. A suspensão de emendas parlamentares, conhecidas como “emendas Pix”, por decisão cautelar do Supremo, abriu novo flanco de conflito, com acusações de invasão de competência e falta de diálogo entre os Poderes.
Como foi a dosimetria no Senado
A proposta foi aprovada pelo plenário Senado na quarta-feira, horas após votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Nas duas etapas, senadores fizeram manobra para garantir que o texto não precisasse passar voltar à Câmara.
A adequação foi necessária para que o texto restringisse o benefício de penas ao 8 de Janeiro. Na versão aprovada por deputados, a redução permitia redução a outros crimes, como corrupção e violência sexual.
A correção de aplicação do benefício fez parte do relatório apresentado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC). O parlamentar aceitou um trecho proposto por Sergio Moro (União-PR), cujo fim é restringir a diminuição de pena apenas ao ato de 2023.
O ajuste foi implementado como “emenda de redação” — caminho geralmente adotado quando existem ajustes pontuais no texto —, e garantiu que não houvesse retorno a análise de deputados.
A previsão foi questionada por parlamentares, pela avaliação de que a mudança era mais ampla do que um ajuste de texto. O resultado final deu vitória à oposição, que defendia a manobra.
Acusações de acordo
A votação no Senado também foi marcada por acusações de um suposto acordo firmado pelo governo, de não interferir na votação da Dosimetria para que não houvesse risco de adiamento de um projeto de interesse do Planalto, para corte de gastos e aumento de impostos a bets e fintechs.
A posição foi revelada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que marcou posição contra a estratégia. Governistas negaram qualquer apoio à dosimetria ou acordo para o texto de cortes, mas o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), confirmou ter feito um acerto para evitar adiamentos, sem compromisso de apoio ou troca de votos.