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Após dez meses de investigação, envolvendo a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico, a Operação Cribelo foi deflagrada nesta quinta-feira (28) mirando um esquema de corrupção que envolve servidores do DETRAN-PI e funcionários de autoescolas, relacionados à compra fraudulenta de CNH. As operações aconteceram em Teresina e José de Freitas, com uma vasta coleta de provas técnicas que evidenciam o esquema criminoso.
Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão e 17 mandados de prisão. Além disso, ocorreram a suspensão das atividades de dois estabelecimentos comerciais — uma autoescola e um bar usado para negociações ilícitas —, o afastamento de seis servidores públicos e o sequestro de bens. "Foi pedido quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo fiscal, colhemos o depoimento de candidatos. Também foi extraído conversas telefônicas, mensagens, áudios, vídeos. E esse inquérito investiga a corrupção passiva, corrupção ativa e também a associação criminosa. Nós conseguimos constatar a veracidade dessas fraudes na obtenção da carteira nacional de habilitação. Representamos por 17 prisões temporárias. Dessas 17 prisões temporárias, 7 são de instrutores (empresa privada), 6 são de examinadores (funcionários públicos), 2 são despachantes e as outras 2 prisões são de pessoas que, em tese, lavavam o dinheiro dessa fraude", disse o delegado Matheus Zannata, Superintendente de Operações Integradas da SSP-PI.
O A10+ elenca agora como funcionava e como a organização era orquestrada:
A cooptação de possíveis candidatos
O delegado Roni Silveira detalhou o funcionamento do esquema, que se iniciava na cooptação de candidatos. Um dos principais suspeitos é o genro do dono do bar usado nas negociações. O estabelecimento, localizado próximo ao portão de provas, facilitava a abordagem de candidatos dispostos a pagar pela aprovação no exame prático, com valores entre R$ 400 e R$ 600.
"De forma que R$ 200 ficava para quem cooptou, seja o instrutor de autoescola ou seja o despachante; os outros R$ 200 eram entregues ao examinador da autoescola e cada exame era realizado por dois examinadores, dois funcionários do Detran realizaram os exames e cada um ficava com R$ 100. Também teve duas suspensões, suspensões das atividades econômicas, uma de uma aula de escola e outra de um bar, que funcionava com um balcão de negócios mesmo, negociado para fraude na obtenção da CNH. Na verdade, em tese, o proprietário desse bar não tinha nada a ver com o genro dele, que fazia toda essa negociação. Ele utilizava esse bar para fazer a negociação”, disse o delegado.
A investigação não concluiu se o dono do estabelecimento de fato era ciente do esquema, mas o genro é um dos principais envolvidos e toda a movimentação no local chamou a atenção dos agentes.
“Essa é uma situação que a gente vai verificar, porque o indivíduo que promovia as reuniões era o genro do proprietário, a filha do proprietário, portanto, esposa do indivíduo que promovia as reuniões. Ela trabalhava ali, ela trabalhava ali dentro, a conta bancária dela inclusive foi usada em alguns momentos para receber valores referentes ao pagamento de aprovações indevidas de candidatos, então essas reuniões que ocorriam rotineiramente ali chamaram a atenção dos nossos agentes. A gente conseguiu descobrir que essas reuniões eram destinadas às tratativas para as aprovações, ali eram combinados os valores, os nomes dos candidatos que iam fazer a prova no mesmo dia. Esse indivíduo que promove as reuniões, ele atua informalmente como despachante, mas o verdadeiro papel dele é ficar ali, digamos que pescando candidatos que vão se submeter à prova prática no dia e oferecendo essa possibilidade, porque ele já tinha a quem do DETRAN ele falar: ‘Olha! o fulano ali vai pagar, ele está disposto a pagar, vamos tentar ajudar ele’ e era assim que se promovia”, relatou Roni Silveira.
Marcação na mão de candidatos e divisão dos valores
Após a coaptação, pagamentos, o combinado entre os investigados era o seguinte: o candidato que pagasse pelo ‘atalho’, deveria ir fazer a prova com uma marcação na mão, na altura do polegar, para que o examinador ficasse ciente que ele fazia parte da fraude na prova prática. Um dos candidatos que foi acompanhado pela investigação chegou a admitir como tudo funciona.
"Numa análise telemática, a gente descobriu a transmissão de um vídeo entre dois instrutores da mesma autoescola em que um, ambos presos hoje, em que um orienta: 'Olha, faça a marcação na mão esquerda na altura do polegar e indica como deveria ser essa diagramação dessa marcação para que ali, justamente na mão esquerda que fica no volante, o examinador já percebesse. Como os veículos têm o sistema de telemetria, com captação de áudio e de imagens, o examinador não poderia ficar dialogando com o examinado, justamente para não ser pego. Eles usavam essa estratégia e temos imagens de um dos candidatos aguardando para ser submetido a prova prática com esse sinal na mão. E uma vez ouvido, ele admitiu como funcionava. A nossa investigação focou na última etapa do processo de habilitação, que é a prova prática. Para facilitar a aprovação, os valores variam de R$ 400 a R$ 600. De forma que R$ 200 ficava para quem cooptou, seja o instrutor de autoescola ou seja o despachante; os outros R$ 200 eram entregues ao examinador da autoescola e cada exame era realizado por dois examinadores, dois funcionários do Detran realizaram os exames e cada um ficava com R$ 100. ”, completa Roni.
Evolução patrimonial e inconsistência de patrimônio declarado
Outro ponto de destaque foi a evolução patrimonial dos investigados. Instrutores e examinadores apresentavam incompatibilidade entre o patrimônio declarado e o real, como carros de luxo, movimentações bancárias e importantes e incompatibilidade entre o patrimônio real e o declarado, principalmente entre instrutores das autoescolas.
"A operação conta com robustez de provas técnicas, afastamento de sigilo bancário, fiscal, análise telemática, extração de dados de aparelhos celulares e tudo isso serviu para entender a forma orquestrada e organizada de como esses indivíduos agiam. Nos chamou muito a atenção, especialmente dentro dos examinadores e instrutores de autoescola, uma evolução patrimonial, uma incompatibilidade entre o patrimônio declarado e o real. Veículos de alto padrão, movimentações bancárias muito importantes, a teia de comunicação bancária entre os personagens envolvidos, como eles transferiram o dinheiro de um para o outro; o padrão de transferência monetária entre as contas e tudo isso nos chamou a atenção. Uma investigação muito robusta, sólida, com muitos elementos e que nos permitiu chegar a esse resultado de hoje", afirma.
Flagrantes ao longo da investigação
Durante as investigações, flagrantes reforçaram a prática ilícita. Em um dos casos, um despachante foi visto entregando um objeto a uma examinadora, evidenciando a troca de favores. Áudios e vídeos capturaram instrutores orientando candidatos a pagar para garantir a aprovação.
Segundo a polícia, a investigação revelou que a instrutora de uma autoescola orientava um aluno sobre como se comportar durante o exame para obter a carteira. Em um áudio, ela afirmou que o aluno deveria pagar um valor em dinheiro para ser aprovado e que repassaria uma parte dessa quantia aos examinadores do DETRAN-PI.
Além disso, ainda conforme a polícia, um vídeo mostra o momento em que a examinadora do Detran recebe discretamente um papel de um despachante do setor de CNH, evidenciando a troca de favores envolvendo o pagamento para aprovação no exame.
“Nas imagens, é possível identificar que o candidato estava com a mão esquerda marcada para ser reconhecido pelos examinadores. A investigação não deixa dúvidas de que ele pagou uma quantia em dinheiro para ser aprovado no exame. Nós temos imagens do curso das investigações, de um dos indivíduos que atua ali como despachante, fica na informalidade, na verdade ele se presta a cooptar pessoas e durante o exame prático de um dos candidatos que a gente vinha monitorando, que a gente vinha investigando, esse indivíduo percebe que o veículo oficial do Detran vinha saindo e então ele muito discretamente se aproxima do veículo e no instante que ele se aproxima, a examinadora do veículo, que foi uma das que foram presos hoje, ela põe a mão para o lado de fora para receber o objeto que ela passa. A gente está tentando entender se foi papel, com recado ou dinheiro já em espécie. Mas toda forma dissimulada como eles agem ficou muito evidente a atividade ilícita”, destaca o delegado Roni Silveira.
Corrupção ativa, passiva e associação criminosa
Os presos, que devem responder pelos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e associação criminosa, foram encaminhados para a sede da Secretaria de Segurança Pública, onde serão realizados os procedimentos cabíveis. Para o delegado Matheus Zannata, é uma operação que busca a preservação da ética do funcionalismo público e a lisura do processo.
“Então, ao total, foi representado por 56 mandados judiciais. Hoje nós deflagramos essa operação, conseguimos apreender 22 veículos e também verificamos uma grande inconsistência no que foi declarado, o imposto de renda, no que foi movimentado nas contas bancárias dos investigados. É importante avisar que essa operação traz uma preservação da ética do funcionalismo público. Nós buscamos proteger o cidadão dessas utilizações ilegais e a obtenção da carteira nacional de habilitação. Nós buscamos garantir. A lisura, a imparcialidade e a transparência também na obtenção da CNH", finaliza o delegado Matheus.
Tecnologia ajudou a identificar as inconsistências
A Diretora-geral do Detran-PI, Luana Barradas, explicou que o órgão vem colaborando com a Secretaria de Segurança em todas as investigações necessárias, visando a transparência para a sociedade piauiense. Segundo a gestora, o investimento em tecnologia de monitoramento contribuiu com a identificação das inconsistências nos processos.
“Desde que nós assumimos a gestão do ano passado, a gente firmou um compromisso com a população piauiense de investir cada vez mais em tecnologia e dar transparência e segurança em todos os processos do DETRAN. E hoje é um resultado desse investimento na tecnologia, onde nós iniciamos esse monitoramento eletrônico ainda no ano passado, o vídeo monitoramento de vídeo, gravações, todos eles são analisados, e que a gente pode ter inconsistências nos processos. O DETRAN não tinha poder policial de investigação, nós encaminhamos para a Secretaria de Segurança Pública. Então, agora, na verdade, nós vamos esperar as definições do judiciário e das autoridades policiais, mas, diante de mão, nós já vamos fazer o afastamento administrativo de todos os envolvidos, os servidores efetivos do DETRAN”, pontua, em entrevista à TV Antena 10.
Luana Barradas pontua que todos os exames práticos estão sendo monitorados, seja na capital ou no interior. Ela disse que é possível identificar e fazer a suspensão dos documentos obtidos de forma irregular.
“Hoje em dia todos os exames práticos do DETRAN, são monitorados, seja na capital, seja no interior. A gente está esperando a finalização da investigação para a gente ter todos os documentos. Com a nova plataforma do Detran, nós temos um sistema totalmente auditável e totalmente transparente para que a gente possa colaborar com a Secretaria de Segurança Pública”, finaliza.
Fonte: Portal A10+