O Professor e Cientista Político, Elton Gomes, participou do A10Cast, podcast da TV Antena 10, deste sábado (04). Na ocasião ele tratou sobre o cenário político, tanto nacional e quanto internacional, "tarifaço" dos EUA, atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outros temas. O especialista, inicialmente, tratou sobre o risco de conflito global e a insegurança quanto a esse cenário.
“Existem motivos que fazem com que as pessoas se sintam ameaçadas diante da formação de dois grandes blocos de Estado, em rota de coalizão. Acontece, em grande medida agora, a nova competição hegemônica entre os Estados Unidos e os seus aliados, e aquilo que eu costumo chamar de bloco sino-russo: China, Rússia, Irã, Coreia do Norte e outros regimes autocráticos que se contrapõem aos Estados Unidos, a União Europeia, Austrália, Japão, Coreia do Sul, as democracias liberais. E isso faz com que nós tenhamos um cenário de tensão, incerteza, medo e alinhamentos geopolíticos que produzem o risco de guerra e que se configura do ponto de vista, por exemplo, de conflitos que já estão acontecendo, como a guerra da Ucrânia, o conflito no Oriente Médio, que opõem esses dois grandes grupos de Estado, cada um apoiando um dos beligerantes e se colocando em situação que pode vir a deflagrar o conflito”, afirmou.
Com relação ao posicionamento do Brasil, o professor comentou que o país historicamente conduz uma postura de não ter "aliados incondicionais e nem inimigos declarados". No entanto, ele detalhou sobre como o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro se manifestam nesse sentido e como isso pode impactar na Diplomacia de Comércio.
"Os presidentes Lula e Bolsonaro deram várias demonstrações de querer se alinhar retoricamente com um dos blocos, então, o Bolsonaro tinha uma predileção pelas democracias do Ocidente. O governo Lula se aproxima retoricamente, do bloco sino-russo. E isso faz, tanto num caso quanto no outro, com que o Brasil perca margem de manobra e enfraquece um dos seus principais ativos históricos de diplomacia, que é justamente essa postura não alinhada e pragmática, ditada por questões muito práticas de comércio exterior. Porque quando o Brasil toma um alinhamento, automaticamente, ele restringe as suas possibilidades de negociação e principalmente de mercado. O Brasil deu muitas demonstrações e inclinações de querer se aproximar do bloco sino-russo. Por mais que a gente encontre elementos retóricos, as condições objetivas do nosso comércio tornam muito difícil para o Brasil escolher um dos dois lados, porque o Brasil precisa muito do mercado chinês que absorve suas commodities e precisa muito dos Estados Unidos, que consome bens de maior valor agregado, bens industriais, e que traz investimento e tecnologia", afirmou.
Após se encontrarem na Assembleia Geral da ONU, a expectativa é de que haja um encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre as medidas que os EUA estão aplicando ao Brasil diante do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Quanto a esse tema, Elton Gomes destaca os desafios desse diálogo.
"Nós estamos diante da mais grave crise das relações bilaterais entre os Estados Unidos e o Brasil em mais de 200 anos de história diplomática, regular e profundamente institucionalizada entre esses dois países, que são históricos parceiros. Esses entreveros mais recentes se devem a uma série de elementos. O mais preponderante deles é justamente a questão das big techs, as grandes empresas de tecnologia, principalmente as mídias sociais. Hoje, se coadunaram com um grupo político do presidente Donald Trump, ajudaram Trump a retornar ao poder e são hoje um grande sustentáculo do poder de Trump no seu segundo mandato. Países como o Brasil colocaram restrições a um modelo de negócio das empresas de tecnologia e, no caso do Brasil, isso foi particularmente polêmico porque não foi feito pelo processo legislativo ordinário, e colocou as empresas de tecnologia como co-responsáveis pelo conteúdo produzido pelos usuários, o que torna muito difícil para as empresas ter no seu modelo de negócio. E isso foi um grande elemento que motivou o Brasil a ser sancionado pelos Estados Unidos", afirmou.
O professor ressaltou que outro fator importante para o posicionamento dos EUA com relação ao Brasil diz respeito à própria natureza da política tarifária de Trump. “Desde que voltou ao poder para o seu segundo mandato, eleito que foi em 2024, tem procurado usar a imposição de tarifas, ou a sua ameaça, como instrumento de pressão geopolítica, para conseguir constranger adversários, mas principalmente para alcançar melhores condições de negociação de aliados. O Brasil, a exemplo de todos os outros parceiros dos Estados Unidos, também foi vítima de tarifas ou foi colocada a tarifa muito alta por conta disso", destacou.
Lawfare
Ainda descrevendo essa crise entre os EUA e o Brasil, um dos elementos em destaque seria que o presidente Donald Trump estaria considerando os processos contra Jair Bolsonaro, em um contexto do termo "Lawfare", empregado no sentido de uso de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política.
"O terceiro fator é o de natureza política e ideológica que envolve a competição doméstica entre o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro, dos líderes populistas, e Trump se enxerga em grande medida, no que ele considera que seja um lawfare, ou seja, o uso da estrutura judicial do país contra o adversário político, ele se ressinta dessa situação e vê em Bolsonaro por esse entendimento que ele tem, como se fosse uma transposição e pressionado que foi por aliados do presidente Bolsonaro, autoexilados, residindo nos Estados Unidos, que tiveram acesso a sua figura chave da sua administração, acabou desenvolvendo duas linhas de atividade, a linha mais propriamente político-tarifário e a linha mais propriamente político e ideológico que acarretou, inclusive, sanções contra autoridades brasileiras, por exemplo, nos termos da Lei Magnitsky", descreveu.
Trump foi irônico com Lula?
O professor voltou avaliar o encontro na Assembleia Geral da Onu, no seu ponto de vista, o presidente Trump teria falado com ironia sobre Lula, e que isso seria uma estratégia, pois os EUA não apresenta qualquer possibilidade de negociação quanto a tarifa de 50% imposta ao país brasileiro.
"Isso faz parte da ambiguidade estratégica de Trump, que ele defende desde a década de 80, quando ainda era incorporador, empreiteiro, você nunca pode começar uma negociação criticando abertamente a outra parte. Você faz uma afago, você mostra que está aberta a negociação, mas você também usa a estratégia de você pressionar. Então, me pareceu que esse elogio foi uma ironia, pois foi logo depois de um discurso do presidente Lula que criticou os Estados Unidos. Ao que parece, foi uma coisa que procurou desarmar a narrativa colocada de que o governo americano não está aberto a negociações, e quando o Trump coloca isso meio que constrange o presidente brasileiro a negociar", destacou.
A atuação do STF
Ao falar sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal, Elton foi enfático: "estamos diante do fenômeno que chamamos de judicialização da política e ativismo judicial". E conclui: "A Judicialização da política é quando você tem a interferência das cortes em processo político-ordinário, que geralmente seria resolvido pelo acordo, pela negociação. E o ativismo judicial é quando você tem as cortes, os magistrados, entendendo que eles não têm apenas que julgar as transgressões contra a lei que existem, mas que eles podem ter uma exegese jurídica, uma interpretação das leis mais ampla para poder garantir direitos, para poder fazer com que os princípios, o chamado novo constitucionalismo, sejam aplicados. Muitas vezes, diante dos impasses no parlamento, acontecem duas coisas, ou o próprio grupo político que, perdendo a votação do parlamento, vai bater na porta do judiciário para poder dirimir aquela disputa, ou então, o próprio judiciário, com sua iniciativa, decide, olha, vamos criar aqui uma decisão que funciona como substitutivo enquanto o parlamento não cria uma lei para isso. E isso tem consequências muito graves para a democracia.