PEC do Escudo: aliados de Bolsonaro querem blindar parlamentares e esvaziar poder do STF

A proposta beneficiaria cerca de 80 parlamentares hoje investigados pela PF por suspeitas de desvio de emendas e buscaria livrar Bolsonar

Em meio à crescente tensão entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro articulam nos bastidores a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode mudar drasticamente a forma como parlamentares são investigados e processados no Brasil. A proposta, ressuscitada após um acordo político entre oposição e o ex-presidente da Câmara Arthur Lira, prevê que o STF só possa abrir ações penais contra deputados e senadores com autorização prévia do Legislativo.

  
Manifestação no Congresso Agência Brasil
 
 
 

As principais mudanças que estão na mesa:

O pano de fundo da proposta envolve mais do que apenas uma disputa institucional. O retorno da PEC à pauta ocorreu após o impasse político que resultou na ocupação do plenário da Câmara por deputados bolsonaristas, em protesto contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e outras decisões do STF consideradas excessivas pela oposição. A solução para o impasse veio com o apoio de Arthur Lira, que articulou um acordo para pacificar os ânimos e retomar os trabalhos legislativos — com a contrapartida de pautar a discussão da PEC.

Atualmente, segundo a regra estabelecida pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001, o STF não precisa de aval do Congresso para tornar um parlamentar réu. Basta o recebimento da denúncia. Essa mudança foi feita justamente para coibir interferências políticas e proteger o andamento de investigações criminais. Com a nova proposta, a lógica seria revertida, voltando ao modelo anterior, no qual cada Casa Legislativa tinha poder de veto sobre ações contra seus próprios membros.

O que chama atenção é que a PEC pode beneficiar diretamente cerca de 80 parlamentares hoje investigados pela Polícia Federal por suspeitas de desvio de emendas parlamentares, prática comum em esquemas que envolvem o chamado “orçamento secreto”. Ao dificultar o avanço de processos contra congressistas, a proposta representa um movimento claro de autodefesa institucional — com possíveis impactos no andamento de casos envolvendo o próprio ex-presidente Bolsonaro.

Outro ponto sensível é a proposta de revisão do foro privilegiado. A mudança abriria caminho para que ações que hoje tramitam no STF — inclusive aquelas que envolvem autoridades de alta patente — passem a ser julgadas por tribunais inferiores, onde a visibilidade é menor e os ritos costumam ser mais lentos. Na prática, críticos afirmam que isso abriria margem para impunidade.

A proposta ainda está em discussão nos bastidores, e a oposição trabalha para reunir apoio suficiente para levar a PEC à votação. Se aprovada, a medida pode marcar um retrocesso no sistema de freios e contrapesos entre os poderes da República, enfraquecendo o papel do STF na fiscalização de crimes cometidos por políticos com mandato. Mas, historicamente, PECs que abarcam temas constitucionais sensíveis, como o foro privilegiado e o poder de investigação do STF, exigem quórum qualificado (três quintos em dois turnos na Câmara e no Senado) para serem aprovadas. Isso faz com que propostas desse tipo avancem apenas com amplo acordo partidário, o que atualmente parece distante. Portanto, embora possa fornecer uma proteção legal ao ex-presidente Bolsonaro, na prática, a aprovação plena da PEC enfrenta obstáculos expressivos tanto do ponto de vista institucional quanto político.