Em entrevista exclusiva à RECORD, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a proposta de tarifa zero no transporte público está passando por estudos nos bastidores do governo federal. De acordo com ele, essa será uma das pautas estratégicas da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026.
Especialistas em mobilidade urbana, economia e direito ouvidos pelo R7 afirmam que o projeto da tarifa zero pode representar um avanço social e ambiental, mas alertam que a proposta exige planejamento detalhado, fontes de financiamento estáveis e segurança jurídica para não comprometer a qualidade do serviço nem o equilíbrio dos contratos com as empresas de transporte.
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O objetivo do governo segundo Haddad é identificar quanto o poder público e as empresas já aportam ao sistema por meio de subsídios e vale-transporte, bem como entender “quais os gargalos tecnológicos e as oportunidades” para aprimorar o modelo de transporte coletivo no país.
Planejamento urbano e desafios
Para Pastor Willy Taco, mestre em transportes pela UnB (Universidade de Brasília), o principal risco é tentar implementar a tarifa zero sem o devido planejamento.
Ele destaca que cidades pequenas e médias conseguem se adaptar com mais facilidade, mas que, nas grandes capitais, a medida precisa estar inserida em uma política de desenvolvimento urbano mais ampla.
“Não é só deixar que as pessoas ingressem livremente dentro de ônibus e cheguem ao destino determinado. É definir em quais espaços urbanos vou induzir uma nova economia a partir da tarifa zero”, afirmou.
Para ele, o transporte gratuito, se bem estruturado, poderia ser “um divisor de águas na mobilidade urbana”, desde que venha acompanhado de melhorias no serviço e de uma campanha de conscientização para reduzir o uso de veículos como carros e motos. “Será preciso convencer o brasileiro de que deixar o carro na garagem e pegar o ônibus vale a pena, não só para o bolso, mas para o país e para o meio ambiente”, disse.
Especialista em trânsito, Celso Mariano acrescenta ainda que o sistema deve ser preparado para absorver a nova demanda gerada pela gratuidade, sob pena de provocar rejeição ao transporte público.
“O serviço oferecido precisa ser realmente bom, com horários frequentes e confiáveis, veículos limpos, em bom estado, atendimento ao usuário de qualidade. Será preciso convencer o brasileiro que o esforço que vale a pena, não só financeiramente como para a economia da sociedade como um todo”, observa.
Impacto fiscal, modelos de custeio e segurança jurídica
Do ponto de vista econômico, Hulisses Dias, mestre em finanças pela Universidade de Sorbonne, avalia que o principal desafio é a recomposição integral da receita tarifária em escala nacional. “O montante necessário para cobrir o custo operacional total do transporte coletivo no país é bilionário e exige uma fonte de custeio constante, robusta e desvinculada das incertezas políticas”, afirmou.
Ele propõe a criação de um Fundo de Mobilidade Urbana, financiado por empresas que contribuiriam proporcionalmente ao número de funcionários, modelo inspirado no Versement Transport francês. Outra alternativa seria o redirecionamento dos recursos do vale-transporte para esse fundo, eliminando o desconto mensal no salário do trabalhador.
Mesmo com os custos elevados, Hulisses acredita que os benefícios sociais e econômicos compensam o investimento: “O transporte público gratuito aumenta o acesso a empregos, educação e saúde, reduz desigualdades e injeta renda na economia local. É um investimento público que gera retorno em justiça social, eficiência econômica e qualidade de vida urbana.”
Na avaliação do advogado Rodrigo Scalamandré Duarte Garcia, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, e especialista em infraestrutura, o grande desafio jurídico está em garantir fontes de custeio que substituam a arrecadação tarifária — já que a gratuidade não é gratuita para o poder público.
“A tarifa zero é gratuita para o usuário, mas jamais para o Poder Público. O desafio é encontrar e vincular fontes de custeio que permitam suprir a parcela de remuneração hoje atendida pela cobrança de tarifa”, afirmou.
O jurista defende a criação de receitas alternativas, como publicidade, incentivos fiscais e taxas relacionadas à mobilidade, desde que devidamente autorizadas por lei. Ele ressalta que “a qualidade do serviço não deverá ser afetada, desde que mantida a remuneração das empresas de transporte”, o que exige equilíbrio contratual e previsibilidade orçamentária.