Mulheres que são mães atípicas: relatos sobre feminilidade, maternidade e rotina de trabalho no PI

O A10+ narra a história e trajetória de Sane Araújo e Helena Dias, mães atípicas

Com diversos desafios durante a vida, Sane Araujo, 25 anos, e Helena Dias, 42 anos, não se conhecem, mas em momentos diferentes a maternidade as encontrou. Com ela, o desafio de criar filhos com Transtorno do Espectro Autista. A condição impôs as duas situações que perpassam pela construção da feminilidade, mercado de trabalho, saúde mental e o cuidar. 

A trajetória da Helena de Oliveira Dias foi de vencer obstáculos e se entender como mulher em meio a criação dos dois filhos. Trabalhando desde a adolescência, Helena foi funcionária do lar e cabeleireira. O encontro com a maternidade veio aos 21 anos quando teve sua primeira filha, Hellen Gabrielly. Nesse período, Helena precisou se dividir entre o trabalho de faxineira e os cuidados com a filha. As coisas começaram a mudar quando ela e o marido abriram um salão. Com o próprio negócio caminhando, ela deu a luz ao segundo filho. José Guilherme foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de nível III. 

  

Hellen Gabrielly e Helena Dias
arquivo pessoal

   

"As coisas foram se estruturando e eu e meu marido conseguimos montar nosso próprio negócio, abrindo um salão de beleza unissex. Então, tive meu segundo filho, que nasceu com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de nível III, com isso, as dificuldades aumentaram, não consegui mais trabalhar no meu comércio e tive crises financeiras e mentais. Então, resolvi abrir um brechó beneficente em prol do meu filhote. Hoje o brechó se tornou o sustento da minha família", afirma. 

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Os desafios de cuidar do pequeno foram sendo vivenciados pouco a pouco. Com o cuidado voltado ao filho, Helena revela a dificuldade que ainda encontra em interligar sua rotina com hobbies que costumava ter, como se maquiar, tirar fotos por diversão, fazer pedaladas matinais. O cuidado com ele também precisou caminhar com o zelo pessoal, principalmente pelo preconceito e sentimento de impotência nas questões ligadas ao filho.

"Quando tenho tempo, saio para treinar na academia, mas só com muita luta, pois não tem ninguém além da minha filha mais velha que consiga lidar com meu filho autista. Me sinto muito cansada e as mães precisam de um descanso de vez em quando, especialmente as mães atípicas. Ver a situação do meu filho e ver que às vezes não consigo ajudá-lo em determinados pontos pessoais dele me corta o coração. O preconceito que pessoas de necessidades especiais sofrem pela sociedade, corta o coração de qualquer mãe de uma criança que precisa de cuidados especiais".

"A maternidade nos transforma e nos completa, como mulher, eu me senti mais realizada e completa ao lado dos meus filhos, que faço tudo por eles, faça chuva ou sol, estou sempre com eles tentando fazer o máximo para deixá-los sempre felizes e também educar da melhor forma que posso"

  

Helena Dias e José Guilherme
arquivo pessoal

  

Além do cuidar do filho, outra urgência na vida de Helena se tornou o cuidado com a saúde mental: "Por muito tempo, eu me cuidava muito melhor do que atualmente, por conta dos problemas que aumentaram. Em meio a crises de ansiedade generalizada e problemas financeiros, acabei me entregando aos problemas, deixando de me cuidar como deveria, para cuidar em máximo da casa e dos filhos. Contudo, tento conseguir conciliar a rotina de mãe com meus cuidados, principalmente mental", narra. 

Em meio a desafios, prazer pessoal e cuidados com a saúde mental, Helena é uma das tantas mulheres que aprendem, em meio a caminhada, a se reconhecer como mulheres, mães e profissionais. Hoje, Hellen Gabrielly tem 20 anos, e José Guilherme, 11 anos. Com base em sua história, ela lembra e reforça às mães atípicas a força da luta aliada ao amor com os filhos.

"Mães, apesar da luta ser enorme, nossos filhos são nossos maiores tesouros. Nossa realidade muitas vezes é cansativa e carregada de dificuldades, mas com muita força, determinação e luta por nossos filhos conseguiremos mais e mais vitórias e conquistas para nossos pequeno", finaliza. 

  

Helena Dias, mãe atípica
arquivo pessoal

   

Outra história inspiradora, é a da Sane Araujo, 25 anos, jornalista e mãe do Khalil, de 04 anos. Ela destacou um pouco sobre sua trajetória de vida e profissional e quando passou a administrar tudo isso com a maternidade.

“Quando engravidei dele, eu estava na universidade e trabalhava. Quando ele nasceu, pegamos a licença maternidade e após isso eu voltei, e ele sempre ia comigo para o curso, nas aulas, era bem trabalhoso, mas deu certo! Me formei tem um pouco mais de um ano. Atualmente, moramos só nós dois: eu trabalho, e ele estuda”, detalhou Sane.

 

Sane Araujo
Arquivo pessoal

   

Ela descreve que consegue compartilhar os cuidados com o pai da criança, durante os finais de semana. “Além de ser mãe, sou mãe de uma criança autista, o que gera inúmeras demandas. Demorei muito para conseguir organizar tudo direitinho, na verdade, foram anos. Parece que eu vivo dentro de uma correria sem fim, […] parece que tudo o que acontece realmente gira em torno da maternidade”, destacou.

Em meio a rotina de cuidados com o filho e o trabalho, ela revela que pouco sobra tempo para dedicar a si mesma como mulher. E que busca focar na própria saúde mental para manter a autoestima.

“Muita terapia. Tem dias que eu chego em casa e só quero deitar com ele e dormir, e me arrumar, por exemplo, cuidar de mim, não é uma prioridade. É muito difícil, eu também prefiro descansar do que qualquer outra coisa.  […] Isso me afeta de várias formas, como eu disse, eu tenho muitos privilégios hoje em dia, financeiro e rede de apoio, e mesmo assim, minha vida gira em torno dele e demorou anos para eu entender que eu também mereço descanso”, destacou.

  

Momento fofura com o pequeno Khalil
Arquivo pessoal

   

Sane afirma que ser mãe refletiu em como ela se sente como mulher, e que hoje compreende que a falta de suporte da sociedade em geral é um grande desafio na maternidade atípica e, que, consequentemente, isso causa um maior desgaste.

“A maior dificuldade é lidar com as pessoas e os órgãos que deveriam dar suporte (plano de saúde, algumas escolas, clínicas terapêuticas). O diagnóstico mexe muito com a gente. Eu penso muito nas dificuldades que meu filho passa e pode passar, próximo de mim ou quando não estiver comigo. Isso dá uma angústia e uma hiperproteção talvez até desnecessária. Desgasta a maternidade e a gente mesmo como mulher/mãe. Minha vida gira em torno da maternidade, e não que isso não aconteça com mães típicas, mas tem um peso a mais. Eu tenho que escolher a escola a dedo e já aconteceu da própria escola recusar ele (por ser autista)”,  pontuou.

  

Sane Araujo e khalil
Arquivo pessoal

  

Mulheres que batalham diariamente para ocuparem espaços no mercado de trabalho se dividem com o maternar. Diante disso, quando seus filhos demandam de uma atenção maior devido suas condições por vezes de saúde ou físicas, o que é necessário e mais que valioso é o acolhimento.

“Eu não imagino o que se passa na cabeça de outras mulheres que vivem o mesmo que eu. Eu sei que o processo de aceitar e entender que o seu filho precisa de ajuda pode ser muito difícil. Infelizmente, muitas mães/familiares não aceitam/entendem, mas o diagnóstico é necessário e modifica a vida da criança e da mãe. Uma criança autista, tratada, voa muito longe, melhora bastante com o decorrer dos anos. É demorado, cansativo, mas vale a pena. Eu sei o quanto é difícil entender isso e cuidar de uma criança atípica, as preocupações, os medos em relação ao futuro, mas saibam, os cuidados e tratamentos corretos, acompanhamento terapêutico salvam, eles mudam a vida de todos ao redor. Não deixem o medo tomar conta da situação e lutem pela vida dos seus filhos”, finalizou.