Alta cúpula da Abin agiu para sabotar investigação, inclusive o atual diretor, diz PF

Relatório atribui à cúpula da agência ações para omitir dados, formatar dispositivos e desacreditar investigação

Relatório produzido pela Divisão de Operações de Inteligência Cibernética da Polícia Federal descreve manobras adotadas pela alta gestão da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para dificultar investigações sobre o uso indevido da estrutura estatal em operações políticas e privadas.

O documento teve o sigilo retirado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes na tarde de quarta-feira (18).

  
Alta cúpula da Abin agiu para sabotar investigação, inclusive o atual diretor, diz PF Roque de Sá
 
 
 

Segundo o relatório, diretores da agência atuaram para impedir o avanço das apurações, adotando estratégias como recusa de dados, narrativa de perseguição e formatação em massa de notebooks. Inclusive o atual diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa.

A PF relata resistência da direção da Abin ao envio de registros do sistema First Mile, ferramenta utilizada ilegalmente para acessar dados sigilosos.

Embora os logs tenham sido requisitados à agência e à fornecedora Cognyte ainda em março de 2023, a entrega foi sistematicamente retardada.

A empresa se recusou a fornecer as informações, alegando falta de resposta da própria Abin sobre o nível de sigilo envolvido.

Os registros recebidos foram considerados incompletos. A direção omitiu nomes e enviou à PF uma lista classificada como “inidônea”.

Material ‘sanitizado’

Informações conhecidas por servidores, como dados sob posse de Alessandro Moretti, Paulo Maurício Fortunato Pinto, Paulo Magno de Melo Rodrigues Alves e Bruno de Aguiar Faria, também foram retidas.

Enquanto a PF recebeu registros originais, o STF foi destinatário de material “sanitizado”, tratado previamente, conforme o relatório.

No mesmo período, a direção da Abin tentou retirar a apuração da esfera da Polícia Federal.

Em ofício assinado por Moretti, solicitou ao Supremo a centralização da investigação e sua incorporação a uma sindicância interna — procedimento descrito no relatório como passível de “sabotagem por acomodação política”.

Além da resistência formal, a direção difundiu entre os servidores a ideia de que a investigação buscava interferência política na agência.

Luiz Fernando Corrêa classificou a apuração como exagerada e desdenhou do sistema sob investigação, chamando-o de “brinquedo de criança”. Internamente, a PF foi apresentada como ameaça, criando um ambiente de pânico funcional.

Mobilização no Congresso

Houve também mobilização no Congresso. Integrantes da agência tentaram sensibilizar parlamentares com argumentos de perseguição institucional, utilizando credenciais para articulações políticas.

A promessa de solução por meio de acomodação interna levou a depoimentos considerados superficiais.

Outro ponto destacado envolve a eliminação de evidências. Durante a investigação, uma grande quantidade de notebooks foi formatada, eliminando rastros e dificultando a identificação de participantes e eventos.

A justificativa apresentada — proteção de documentos restritos — foi contestada pela unidade técnica da própria Abin, que informou que os materiais sensíveis não ficavam armazenados nos dispositivos.

O relatório indica que a decisão de formatar equipamentos ocorreu em período sensível, após a apreensão do notebook do ex-diretor Alexandre Ramagem. Há indícios de que a medida tenha sido preventiva, motivada por análise de risco sobre possíveis ações de busca e apreensão.

Cúpula da Abin

A Polícia Federal atribui responsabilidade direta à cúpula da agência. Luiz Fernando Corrêa, mesmo antes da nomeação formal, participou de reuniões e teve acesso a informações sigilosas. Manifestou hostilidade à corregedoria por colaborar com a investigação e sugeriu intervir no setor.

Alessandro Moretti, então diretor-adjunto, atuou para impedir a investigação e formalizou o pedido de retirada do caso das mãos da PF.

Paulo Maurício Fortunato Pinto, apontado como idealizador do sistema First Mile e afastado por decisão judicial, teria se beneficiado diretamente da paralisação das apurações.