Adultos vacinados na última década podem ficar mais vulneráveis a doenças típicas da infância - Saúde
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Adultos vacinados na última década podem ficar mais vulneráveis a doenças típicas da infância

Se as taxas de vacinação continuarem a diminuir nos próximos anos, várias doenças infecciosas preveníveis ressurgirão


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Em 2024, houve mais de 32 mil casos de coqueluche, a maior contagem em uma década. Só na Califórnia, a doença atingiu duas mil pessoas entre janeiro e outubro. Mais de 60 crianças menores de quatro meses foram hospitalizadas no estado. Uma delas morreu.

A coqueluche, também conhecida como pertússis ou tosse convulsa, é apenas o exemplo mais gritante do que acontece quando as taxas de vacinação diminuem. Mas está longe de ser o único.

  

Adultos vacinados na última década podem ficar mais vulneráveis a doenças típicas da infância Rodrigo Nunes /MS
   

A pandemia interrompeu as imunizações infantis no país inteiro, e as taxas ainda não voltaram ao patamar anterior. Como resultado, centenas de milhares de crianças estão cada vez mais vulneráveis a doenças antes relegadas aos livros de história.

A maioria delas – como o sarampo, a caxumba e a rubéola – afeta predominantemente crianças pequenas. Mas, se as taxas de vacinação continuarem a diminuir nos próximos anos, devido à crescente desconfiança ou a políticas federais mais restritivas, várias doenças infecciosas preveníveis ressurgirão em todas as faixas etárias, advertem os especialistas. “Pode levar um ou dois anos, mas não há dúvida: vamos ter surtos”, disse Pejman Rohani, epidemiologista de doenças infecciosas da Universidade da Geórgia.

Não são apenas os não vacinados que terão de se preocupar. Até mesmo os adultos que foram vacinados décadas atrás poderão se tornar vulneráveis a doenças que agora são consideradas infantis.

Para Alex Richter, imunologista clínico da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, onde há aumentos preocupantes de sarampo e caxumba, a maioria das pessoas se esqueceu dos perigos das doenças infantis. Há poucas décadas, muitas crianças menores de cinco anos morriam de alguma doença infecciosa. Agora, estão mais ameaçadas por acidentes de trânsito, overdoses de drogas e violência armada, enquanto a preocupação com doenças desapareceu paulatinamente. “Mas tudo isso pode mudar se não continuarmos com as políticas de vacinação”, afirmou Richter.

As taxas elevadas de vacinação em uma comunidade protegem não só os vacinados, mas também as pessoas que não podem receber algumas vacinas ou que podem não responder a elas devido a certas condições médicas, à idade ou ao sistema imunológico enfraquecido. “Quanto menos gente for vacinada, o mundo se tornará um lugar menos seguro para uma grande parte da população”, comentou o médico.

Por exemplo, a rubéola, também chamada de sarampo alemão, pode ser perigosa para as grávidas e seus bebês. No entanto, elas não podem ser imunizadas contra a doença porque a vacina contém um vírus vivo enfraquecido.

Hoje em dia, elas normalmente não correm risco, porque há menos de uma dúzia de casos de rubéola nos Estados Unidos a cada ano. Mas isso pode mudar se as taxas de vacinação caírem. Em todo o mundo, a rubéola é a principal causa de defeitos congênitos preveníveis por vacina. “Se você tem mães não imunes pegando rubéola, então há as complicações que perduram ao longo da vida, como cegueira e surdez e tudo o mais”, explicou Richter.

Elsa Sjunneson sabe disso muito bem. Sua mãe foi infectada com rubéola durante um surto na cidade de Nova York, em 1985, quando estava grávida, e Sjunneson nasceu com síndrome da rubéola congênita, ou SRC. No caso dela, isso significava catarata espessa, perda auditiva e defeito cardíaco.

Antes de seu primeiro aniversário, foi submetida a duas cirurgias que corrigiram a maior parte do defeito cardíaco e a sete cirurgias oculares que não lhe restauraram totalmente a visão. Ela é cega do olho direito, tem visão limitada no esquerdo e ainda precisa de aparelhos auditivos. “Na verdade, tive muita sorte, porque muita gente que nasceu com SRC não sobreviveu. Ninguém merece ser exposto a doenças que podem matar”, disse Sjunneson, que é defensora de pessoas com deficiência e da vacinação contra a rubéola.

As campanhas antivacina geralmente têm como alvo a vacina tríplice viral, que protege contra o sarampo, a caxumba e a rubéola. Os especialistas tendem a se preocupar mais com o ressurgimento do sarampo, porque o vírus é extraordinariamente contagioso, permanecendo no ar por até duas horas depois que uma pessoa infectada sai de um recinto. Esta pode espalhar o vírus para até 18 outras.

O passado oferece uma antevisão: no fim da década de 1980, cortes no orçamento do governo Reagan reduziram as taxas de vacinação, principalmente entre crianças negras e hispânicas de baixa renda. As consequências foram rápidas. De 1989 a 1991, o sarampo infectou mais de 55 mil americanos e matou 166 pessoas.

Antes que a primeira vacina contra o sarampo fosse introduzida, na década de 1960, a doença matava cerca de 2,6 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano. O vírus prejudica as defesas imunológicas, deixando o corpo vulnerável a outros patógenos.

Um estudo de 2015 estimou que, antes da vacinação generalizada, o sarampo pode ter sido responsável por até metade de todas as mortes por doenças infecciosas em crianças. Mesmo agora, as consequências podem ser graves. Cerca de 40% das pessoas infectadas no ano passado foram hospitalizadas, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças.

Antes da pandemia, as taxas de imunização para MMR (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) e para coqueluche se mantinham estáveis em cerca de 95%, em parte devido aos requisitos para admissão em escolas públicas.

  

Vacinas em crianças Marcelo Camargo/Agência Brasil
   

Uma queda dessa taxa durante a pandemia não chegou a ser surpreendente. Mas, mesmo com a sociedade voltando ao normal, as taxas de vacinação continuaram a diminuir, caindo abaixo de 93% em todo o país no período letivo de 2023-2024. Isso significa que cerca de 280 mil crianças em idade escolar continuam suscetíveis a essas doenças, aumentando o risco de surtos em escolas e outros espaços públicos.

Os adultos não vacinados correm risco, é claro, mas aqueles outros que não apresentam uma resposta imunológica adequada às vacinas ou que receberam apenas uma única dose também estão vulneráveis.

E há outra consequência inesperada para o declínio das taxas de vacinação. A imunidade induzida por algumas vacinas pode diminuir ao longo das décadas. O declínio significa que, se os surtos ocorrerem com mais frequência, mesmo adultos vacinados poderão se tornar vulneráveis a certas doenças.

Em casos raros, por exemplo, a imunidade adquirida com a vacina contra o sarampo pode diminuir. Dos 284 casos de sarampo registrados entre os americanos no ano passado, 11% foram de pessoas que receberam uma ou duas doses da vacina. Isso talvez explique por que 27% dos casos foram de adultos com mais de 20 anos. “Estamos longe da época em que o sarampo era só uma doença de crianças”, disse Alexis Robert, pesquisadora em modelagem de doenças infecciosas na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

A imunidade contra a caxumba também pode diminuir. Embora a vacinação em geral tenha reduzido o número de casos da doença em 99%, houve surtos em escolas e universidades, onde os alunos mantêm contato próximo e prolongado. A caxumba costuma ser uma condição leve em crianças, mas às vezes pode causar problemas de fertilidade em meninos e complicações graves em adultos.

A coqueluche, porém, pode ser a doença com a qual até mesmo crianças e adultos vacinados devem se preocupar mais. A doença muitas vezes é confundida com uma infecção respiratória típica no início, mas pode se transformar em uma “tosse de cem dias” dolorosa, que afeta o corpo inteiro. Cada crise de tosse termina com um som diferente, similar a um assobio, e pode resultar em vômitos, costelas quebradas e dificuldade para respirar.

Décadas atrás, a vacina dependia de células inteiras da bactéria causadora da coqueluche. Era potente, provocando, com frequência, febres altas e convulsões. “Atualmente, não há nenhuma maneira de os pais tolerarem esse tipo de reação”, afirmou Kathryn Edwards, especialista em vacinas que estuda a coqueluche há 40 anos.

Uma versão mais recente da vacina, introduzida na década de 1990, é muito mais suave para o corpo. Na maioria das pessoas, essa fórmula oferece décadas de proteção contra doenças graves. Mas as novas vacinas contra coqueluche não previnem totalmente a infecção e, às vezes, a proteção desaparece.

Os especialistas acreditam agora que essa é uma das razões pelas quais mais adolescentes do que crianças pequenas foram infectados com coqueluche durante os surtos que ocorreram nos últimos anos. “Foi o primeiro indício do declínio da imunidade da vacina”, comentou Edwards. O Centro de Controle de Doenças passou a recomendar uma dose de reforço para os adolescentes.

Se as taxas de vacinação caíssem para 75% nos próximos anos, adultos mais velhos que receberam a vacina original ainda estariam protegidos. Mas as pessoas que nunca foram imunizadas ou os adultos que receberam a vacina mais recente quando crianças podem estar suscetíveis.

De acordo com a modelagem epidemiológica de Rohani e seus colegas, os casos aumentariam dramaticamente em bebês – que são muito jovens para ser totalmente vacinados – e em crianças de cinco a 15 anos.

“Como tendem a ter mais contatos, as crianças em idade escolar são o principal grupo de transmissão”, disse Rohani. Ele e outros especialistas esperam que as taxas de vacinação não caiam drasticamente. E estão preocupados com as consequências de declínios mesmo que modestos.

Segundo Richter, convencer uma pessoa a se imunizar é sempre mais difícil do que fazer com que faça um tratamento, porque as vacinas são administradas em indivíduos saudáveis. Nos casos extremamente raros em que alguém sofre um efeito secundário grave, este pode ser catastrófico. “Basta uma dessas histórias, ou duas, para que haja um impacto enorme na adoção da vacina. Aqui, o que existe é uma tensão entre a comunidade e o indivíduo.”

Fonte: R7


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