A renúncia apresentada por Carla Zambelli (PL-SP) neste domingo (14) não é um gesto de desprendimento político, nem um reconhecimento de falhas, tampouco um ato que produza qualquer consequência jurídica real. Trata-se apenas de uma manobra narrativa: um último movimento para tentar reescrever uma história que já está selada nas instâncias formais do Estado brasileiro. Quando anunciou sua “decisão pessoal”, Zambelli já não era, de fato, deputada federal. Sua perda de mandato havia sido automaticamente determinada quando a Primeira Turma do STF confirmou, por unanimidade, sua condenação a 10 anos de prisão, tornando-a definitiva e irrecorrível. A Constituição é clara: condenação criminal transitada em julgado acarreta perda de mandato. À Câmara, restava apenas cumprir a formalidade — declarar o óbvio. Mas nem isso fez.
O gesto de renúncia, portanto, não devolve poder a quem já o havia perdido, não preserva direitos políticos que já estão extintos e não altera em nada o conteúdo das sentenças que a atingem. Zambelli não renunciou ao mandato; ela renunciou a enfrentar a crueza jurídica do que já havia acontecido. Em outras palavras, renunciou ao constrangimento: preferiu ser vista como alguém que “abriu mão”, e não como alguém cujo mandato foi extinto por consequência legal de crimes comprovados.
A narrativa construída pela defesa — segundo o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, uma estratégia “para facilitar sua situação na Itália” — apenas reforça esse movimento político. É uma tentativa de manter um discurso de perseguição e de “história escrita com a verdade”, como afirmou a própria ex-deputada em sua carta, apesar de todas as provas, condenações e unanimidades judiciais em sentido contrário. Mas no plano jurídico, o efeito é nulo. As condenações estão transitadas em julgado. A inelegibilidade é automática. A renúncia não tem o poder mágico de apagar um acórdão.
O que o episódio expõe, com força ainda maior, é a escolha da Câmara dos Deputados de se omitir. Na quarta-feira anterior, quando deveria apenas declarar a perda do mandato, a Casa transformou um dever constitucional em votação política — e derrubou a cassação com 227 votos, ignorando tanto a letra quanto o espírito da Constituição. Ao fazer isso, ultrapassou o limite da autonomia parlamentar e entrou no terreno da obstrução institucional. Como afirmou o líder do PT, Lindbergh Farias, a renúncia não purifica o erro: a Câmara “perdeu sua última oportunidade digna de se alinhar à Constituição”.
A renúncia poderia ter sido o fecho de um processo. Na realidade, apenas escancarou a confusão construída pelos deputados que preferiram proteger uma aliada política a cumprir um dever jurídico. E reforçou uma dura constatação: o Parlamento brasileiro, quando confrontado com seus próprios limites constitucionais, ainda prefere o cálculo partidário ao compromisso republicano.
Com a decisão do STF reafirmada, Zambelli segue condenada, inelegível, presa na Itália aguardando extradição e impedida de exercer função pública. Nada do que escreveu em sua carta — nenhuma frase de efeito, nenhuma tentativa de moldar sua própria narrativa — muda esse fato. A única transformação real deste episódio é simbólica: a renúncia serviu apenas para produzir manchetes, não para alterar sua situação jurídica.
Em toda essa sequência, os únicos que ficaram expostos foram os deputados que tentaram preservar um mandato já perdido. Zambelli, ao renunciar, sai politicamente derrotada, mas juridicamente intacta em sua condição de condenada. A Câmara, por sua vez, sai diminuída: abriu mão do próprio papel e perdeu a chance de afirmar que sua função não se curva a conveniências partidárias.
No fim, todos saem perdendo — menos a narrativa. Porque, para quem trabalha com ela, mesmo quando a realidade já está consolidada pela Justiça, ainda resta o artifício de encenar uma saída honrosa. E foi exatamente isso que aconteceu.