Na mesma noite em que o Congresso Nacional derrubou o aumento do IOF — imposto que incide sobre operações financeiras e que o governo queria reajustar para arrecadar em torno de R$ 10 bilhões ainda este ano, os parlamentares aprovaram o aumento no número de cadeiras da Câmara dos Deputados: de 513 para 531 a partir de 2026. O que isso quer dizer? Que em um momento em que o discurso dominante é o da austeridade, ou seja, cortar gastos públicos, nossos representantes decidiram aumentar ainda mais o custo da política no Brasil. O motivo, nos dois casos, é mais político do que realmente preocupação com os brasileiros.
A proposta passou com o aval de boa parte da base do governo e foi relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI). A medida serve, principalmente, para evitar que estados com queda populacional — como o próprio Piauí — percam representantes no Congresso. O problema é que, para manter as bancadas de alguns estados, optou-se por criar 18 novas vagas em vez de redistribuir as já existentes. Resultado: mais gastos para um país que mal consegue pagar as contas, onde Governo e Parlamento, ao invés de cortar os próprio benefícios, optam por jogar nas costas dos brasileiros a conta da gastança desenfreada para manter privilégios e redutos eleitorais.
Estima-se que a criação dessas 18 cadeiras gere um custo extra de R$ 64,6 milhões por ano, podendo chegar a R$ 150 milhões com o aumento de 30 novas vagas nas Assembleias Legislativas. Parlamentares dizem que não haverá aumento nos gastos porque os novos deputados terão que operar com o mesmo orçamento dos atuais. Parece até razoável — até que a gente lembra que cada deputado tem direito a uma série de benefícios: assessores, verbas de gabinete, passagens aéreas, auxílio-moradia, carro oficial... Isso sem contar a estrutura administrativa por trás. Na prática, aumenta a conta, sim. E quem paga somos todos nós, contribuintes.
O mais irônico é que essa decisão veio à tona justamente quando o governo e o Congresso afirmam que o Brasil está em um momento delicado e que é preciso economizar. Cortar gastos, reduzir despesas, segurar aumentos. Só que isso só vale para áreas como saúde, educação, segurança pública — nunca para o próprio Congresso ou o Executivo. É o famoso "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
Enquanto isso, uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que 76% dos brasileiros são contra o aumento no número de deputados. A rejeição à proposta é ainda maior entre as pessoas com mais escolaridade e entre os mais velhos. Mesmo assim, a medida foi aprovada. Um claro sinal de que a classe política continua desconectada da realidade do povo.
No meio dessa movimentação, o Piauí teve um papel central. O estado, que estava prestes a perder duas cadeiras na Câmara e seis na Assembleia Legislativa por causa da queda populacional registrada no Censo 2022, articulou fortemente para manter sua representação. O governador Rafael Fonteles, inclusive, foi pessoalmente pedir apoio ao presidente da Câmara durante um evento do Consórcio Nordeste. Conseguiu. Mas a que custo?
O que vimos nos últimos dias foi um verdadeiro festival de incoerências. De um lado, o governo tentando arrecadar mais com impostos sobre transações financeiras. Do outro, os parlamentares aprovando mais cargos públicos. Tudo isso enquanto o país enfrenta dificuldades para fechar as contas, com déficit previsto, cortes em investimentos sociais e uma economia que ainda engatinha. Ao mesmo tempo, mostra que os presidentes da Câmara, Hugo Motta e Senado, Davi Alcoumbre, estão unidos quando há interesse comum e, ao mesmo tempo, que Lula precisará deles se quiser governar e, claro, soltar dinheiro através de emendas.
Não se trata de ser contra o Piauí ou qualquer outro estado manter sua representatividade. Mas sim de questionar por que a solução encontrada sempre recai sobre ampliar o tamanho do Estado em vez de repensar sua eficiência. Em um Brasil onde falta dinheiro para o básico, é imoral aumentar o número de parlamentares sem discutir o impacto real disso nas contas públicas.
A política brasileira parece viver em um universo paralelo. Enquanto o povo aperta o cinto, nossos representantes seguem ampliando privilégios, cargos e estruturas. Essa contradição entre o discurso de austeridade e a prática do "mais pra mim" precisa ser escancarada. Porque no final das contas, a fatura sempre chega — e é o povo quem paga.