Nos últimos meses, o debate sobre a anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro voltou a ganhar força em Brasília. Algumas das propostas que circulam no Congresso são tão radicais que beiram o absurdo jurídico e democrático: não se trata apenas de perdoar crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito, mas de criar uma espécie de salvo-conduto para futuras violações. O Presidente da Câmara, Hugo Motta afirmou que ainda não há consenso para colocar o texto em votação, apesar da pressão dos partidos de oposição e do Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Essa linha mais extremista de anistia, defendida por setores da oposição, é perigosa porque inverte o sentido do instituto. Tradicionalmente, a anistia é vista como mecanismo de reconciliação nacional, aplicada após períodos de ruptura institucional, e nunca como um cheque em branco para que novos crimes sejam cometidos. Na prática, pegando como gancho fatos a partir do dia 14 de março de 2019 (início do inquérito da Fake News), o que se estaria fazendo é legitimar o golpismo, naturalizar ataques às instituições e enfraquecer a capacidade do Estado de se proteger contra futuras ameaças. Não apenas isso, garantir salvo conduto para Jair Bolsonaro (PL) disputar a Presidência da República e repatriar sem punição o filho, Eduardo Bolsonaro (PL).
Entre os trechos que beiram o irracional estão a anistia a quem cometeu danos e depredações ao patrimônio da União, atacou instituições e o processo eleitoral para provocar descrédito, além de fomentar a polarização política. Contudo, o mais impressionante é o texto destacar que até mesmo ações futuras já estariam perdoadas a partir desse "perdão", ou seja, uma brecha gigantesca para quem desejar manter acessa a chama do golpe de estado em qualquer momento.
Aqui cabe um paralelo com uma proposta levantada pelo Presidente do Senado que sugere a redução das penas aplicadas aos condenados. Trata-se de uma abordagem distinta — e que, goste-se ou não, parte do reconhecimento de que houve crimes cometidos. O que está em discussão nesse caso é a proporcionalidade das punições, não a negação dos fatos. Davi Alcolumbre tenta abrir espaço para uma “saída intermediária”: reconhece-se a gravidade dos atos, mas busca-se flexibilizar o rigor das condenações, algo que seria até mais palatável pelo Supremo Tribunal Federal.
A diferença é crucial:
Na anistia extremista, o Estado renuncia ao direito de punir e ainda sinaliza tolerância para futuros atentados contra a democracia.
Na proposta de redução de penas, o crime é reconhecido, o julgamento permanece válido, e o Estado reafirma que a tentativa de golpe não ficará sem resposta, ainda que essa resposta seja mais branda.
O perigo da primeira via é cristalino. Ao anistiar de forma ampla e irrestrita, estaríamos institucionalizando a ideia de que conspirar contra a democracia é um risco calculado: se der certo, muda-se o regime; se fracassar, basta esperar por um acordo político que limpe a ficha. Isso mina a confiança nas instituições e deseduca politicamente a sociedade.
Já a segunda via, embora polêmica, mantém ao menos a lógica da responsabilização. Pode-se discutir se as penas foram excessivas ou se alguns acusados tiveram participação menor, mas a mensagem central de que o Estado não tolera o golpismo permanece.
Em resumo, o que está em jogo não é apenas o destino jurídico de alguns milhares de réus. É o recado político que o Brasil pretende dar a si mesmo e ao mundo: ou afirmamos que a democracia é inegociável, ou corremos o risco de transformá-la em moeda de barganha. Apesar de tudo isso, mesmo que o projeto seja aprovado, dificilmente não será barrado pelo Supremo Tribunal Federal por inconstitucionalidade, uma afronta ao Artigo 5 da Constituição.