A hipótese de uma ligação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o republicano Donald Trump começa a ser avaliada por integrantes do Executivo e do Legislativo como um recurso capaz de destravar a negociação que busca reduzir as tarifas de 50% anunciadas pelos Estados Unidos e que entram em vigor nesta sexta-feira (1º).
Faltando dois dias para o início da taxação, interlocutores do Palácio do Planalto e ministros do governo avaliam uma estratégia para que o contato telefônico cumpra o papel esperado.
Nos bastidores, comenta-se que Lula estaria disposto a realizar a ligação desde que o próprio Trump atenda. Entretanto, em declarações públicas, membros do governo alertaram para a necessidade de cautela na abordagem.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que o diálogo entre chefes de Estado não pode ser tratado como “telemarketing”. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou que a negociação não pode ser marcada por “viralatismo” ou subserviência do Brasil.
Especialistas ouvidos pelo R7 classificam essa iniciativa como um gesto pragmático, que revela o esgotamento dos canais diplomáticos tradicionais sob a ótica da política externa.
Narrativas estratégicas
João Felipe Marques, cientista político pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e mestrando em Ciência Política pela UnB (Universidade de Brasília), avalia que o envolvimento pessoal do presidente indica que o tema ultrapassou a alçada ministerial e demanda capital político direto.
“Esse movimento também reflete pressão do setor produtivo brasileiro, preocupado com prejuízos relevantes pela imposição das tarifas. No plano doméstico, há um ganho político ao sinalizar disposição para o diálogo”, analisa.
Graduado em Relações Internacionais e especialista em análise de risco político pela FGV, João Cândido observa que essa postura, em tese, fortalece a posição brasileira no cenário internacional.
E reforça a imagem de um país que privilegia seus interesses estratégicos acima de disputas político-partidárias.
“Um telefonema para Trump não significa adesão ao trumpismo ou contradição às bandeiras democráticas defendidas por Lula. Pelo contrário, demonstra que o Brasil está aberto a dialogar com todos os interlocutores relevantes, mesmo aqueles com quem houve embates públicos”, destaca.
‘Não é telemarketing’
Na manhã desta terça-feira (29), Gleisi Hoffmann conversou com jornalistas no Itamaraty e enfatizou que o Brasil tem insistido nas negociações comerciais.
“Queremos negociar e temos o que negociar. Soberania e democracia brasileiras não estão em discussão. O presidente Lula sempre deixou isso claro, não entra na mesa de negociação”, afirmou.
Indagada sobre a possível ligação, Gleisi ressaltou que “Trump não deseja conversar agora”.
“Não adianta o presidente Lula buscar um contato unilateralmente. Uma negociação entre dois chefes de Estado exige preparação dos negociadores. Não é telemarketing, em que se pega o telefone e ‘se colar colou’”, comparou Hoffmann.
Segundo ela, todo o processo demanda tempo. “Lula nunca recusou diálogo, mas isso só ocorrerá quando os Estados Unidos também estiverem abertos à conversa e à negociação comercial”, avaliou.
A ministra reforçou que agentes brasileiros mantêm interlocução com o governo americano.
“O vice-presidente Geraldo Alckmin tem conversado com seu par nos Estados Unidos, o secretário de Comércio Howard Lutnick, e o ministro Fernando Haddad dialoga com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent. Porém, ainda não recebemos retorno oficial”, lamentou.
Na mesma linha, Fernando Haddad defendeu que a postura brasileira não deve ser submissa.
“Quando dois chefes de Estado conversam, existe preparação prévia para evitar que um país subordine o outro. Há protocolos mínimos, um arranjo diplomático. São dois países soberanos; não é um correndo atrás do outro. O Brasil é grande, e isso não é arrogância, mas uma postura digna à mesa de negociação”, explicou.
O ministro afirmou que outras conversas de Trump com líderes mundiais “não foram respeitosas”.
“É preciso preparação para garantir respeito, para que os dois povos se sintam valorizados e não haja sentimento de viralatismo ou subordinação. Isso é respeito ao povo”, acrescentou.
Ainda segundo João Felipe Marques, o discurso de Haddad contrapõe duas abordagens diferentes. Negociar não equivale a se submeter, e o governo tenta preservar autonomia política diante de um cenário delicado.
Marques acredita que Lula adota discurso firme em relação às tarifas, o que ajuda a protegê-lo contra acusações de subserviência.
“Enquanto houver reciprocidade e margem para barganha, dificilmente setores críticos colarão essa imagem. A interpretação predominante deve ser a de um presidente que, mesmo em situação desfavorável, busca preservar espaço de manobra para o Brasil”, conclui.