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Esses abusos que a canção Podres Poderes, escrita há pouco mais de 40 anos por Caetano Veloso, denuncia talvez resumam o sentimento que invade o país desde que o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada de 10 de dezembro de 2025, o polêmico “PL da Dosimetria”. Com 291 votos favoráveis, o projeto altera a forma de cálculo de penas para crimes contra o Estado Democrático — inclusive o de golpe de Estado — abrindo caminho para a diminuição das condenações, entre elas a do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Para quem atentou contra as estruturas da república — invadiu prédios públicos, violou símbolos da democracia, atentou contra os Poderes —, o novo texto promete progressão de regime mais rápida e abate de tempo de pena, reduzindo consideravelmente o cumprimento em regime fechado. No caso de Bolsonaro, os cálculos do relator apontam possibilidade de sair em cerca de dois anos e quatro meses. Além disso, o projeto unifica duas acusações graves — “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” — sob a pena da que preveem maior rigor, eliminando a cumulação. Essa “revisão” legislativa ganha aval exatamente no momento em que a memória dos atos de 8 de janeiro ainda é recente e dolorosa — como se o Congresso dissesse que, sob certas circunstâncias, a lei pode ser reescrita a favor de quem a violou.

O flerte com regimes autoritários e a diplomacia do risco
Enquanto o Legislativo reescreve os castigos aos golpeadores, o Executivo — representado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva — mantém aproximação diplomática com regimes longe dos padrões democráticos. No final de 2025, o governo reafirmou sua chamada “solidariedade regional” à Venezuela, em meio a uma conjuntura internacional marcada por críticas à legitimidade do regime local e denúncias de violações de direitos humanos, perseguições a opositores e fraude na eleição que manteve Maduro no poder, uma ditadura travestida de democracia.
O que deveria ser prudência diplomática soa como conivência com o autoritarismo — especialmente quando se sabe que regimes como o venezuelano sofreram condenações repetidas de organismos internacionais por cerceamento de liberdades e perseguição política. Essa “solidariedade” convence menos quanto mais se aproxima de discursos de tolerância à repressão e aos atropelos democráticos.
O Judiciário que cala sigilos: justiça ou blindagem?
Para completar o quadro, o poder de julgar, que deveria ser o guardião da legalidade e da transparência, dá sinais de fechamento aos olhos da sociedade. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio do ministro Dias Toffoli, submeteu à sigilo máximo a investigação contra o ex-banqueiro Daniel Vorcaro, ex-controlador do Banco Master — alvo da operação da Polícia Federal que desarticulou suposto esquema bilionário de fraudes e concessão de créditos fantasmas. O próprio Ministro viajou para Lima, no Peru, em avião privado ao lado do advogado Augusto Arruda Botelho, defensor de Luiz Antônio Bull, diretor de compliance da instituição bancária e preso na Operação Compliance Zero.
A princípio uma coincidência? O fato é que poucos dias depois, Toffoli decretou sigilo máximo no processo que também envolve o presidente da instituição, Daniel Vorcaro. A sequência de fatos conecta diretamente o ministro, o advogado e os investigados, levantando dúvidas sobre sua permanência como relator. Para muitos cidadãos, a decisão reforça a percepção de que o poder judiciário se retrai quando o alvo é alguém bem conectado — um silêncio judiciário que coincide com a impunidade legislativa e a diplomacia complacente. Uma “caixa-preta”, como alertam editorialistas críticos, que enfraquece o combate à corrupção e compromete a confiança no sistema de Justiça.
O padrão que se repete: impunidade, flexibilidade e blindagem institucional
Ao cruzar esses três vetores — Legislativo, Executivo e Judiciário —, o Brasil de 2025 parece insistir em um padrão perverso: quem detém poder, reescreve as regras; quem viola a lei, vê sua pena reduzida; quem comete denúncias de corrupção bilionária, tem os processos selados ao público. Direita, esquerdo e centro se unem quando os interesses convergem e pouco se preocupam com quem realmente importa, o povo, palavra tão doce e usada na política, mas distante das decisões capitais para o país. Lembrando apenas para "justificar" medidas e na hora do voto.
Enquanto isso, o cidadão comum continua refém das decisões de cima para baixo, mas sem esperança de ver justiça ou reparação real. A harmonia entre poderes, que deveria garantir equilíbrio, transforma-se em conluio silencioso. A lógica do “acordo interno” prevalece — em nome de governabilidade, pragmatismo ou conveniência —, mas cristaliza um duradouro problema: a percepção de que “para alguns, a lei é letra morta; para outros, o rigor é implacável”.
Se o Brasil quer de fato superar o ciclo de impunidade, ou de ao autoritarismo e desprezo pela transparência, será necessário romper com esse padrão. Não basta apenas responsabilizar indivíduos: é preciso restaurar instituições, fortalecer controles e devolver ao povo a certeza de que a lei é igual para todos — e que o poder não deve servir aos interesses de poucos, mas à justiça de todos.
Fonte: Portal A10+