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O Congresso Nacional voltou a colocar em pauta a reforma administrativa. A proposta pretende modernizar o serviço público, reduzir distorções salariais e tornar a máquina estatal mais eficiente — mas, ao mesmo tempo, levanta dúvidas sobre seus impactos na autonomia dos Poderes e na estabilidade das carreiras.
O novo pacote de medidas, relatado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), combina uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), um projeto de lei ordinária e um projeto de lei complementar.

Entre os principais pontos, estão a criação de uma tabela única de salários, avaliações periódicas de desempenho com possibilidade de perda do cargo, bônus por produtividade, e limites para benefícios e progressões automáticas.
A proposta também prevê planos estratégicos obrigatórios para governos eleitos, uso ampliado de tecnologia e interoperabilidade de sistemas públicos, e incentivos à digitalização de serviços.
Contudo, entidades representativas de servidores têm se mobilizado contra o texto, alegando que a proposta abre brechas para precarizar carreiras e reduzir garantias históricas.
No governo, a posição ainda é cautelosa — embora a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, reconheça que há pontos de convergência com o que está sendo debatido no Legislativo.
Especialistas ouvidos pelo R7 avaliam que o debate vai além da disputa política — e envolve desafios jurídicos e institucionais profundos sobre o papel do Estado e os limites da eficiência administrativa.
Desafios e perspectivas da reforma administrativa
Para o professor Antonio Carlos de Freitas Junior, doutor em direito constitucional pela USP (Universidade de São Paulo), o desafio da proposta vai além do embate político.
Ele aponta que, do ponto de vista constitucional, a tentativa de uniformizar princípios administrativos entre os Três Poderes e as diferentes esferas federativas esbarra em limitações estruturais do modelo brasileiro.
“A Constituição de 1988 consagrou o federalismo e a separação dos Poderes como pilares do Estado. Ao propor uma uniformização ampla, corre-se o risco de reduzir essa autonomia e nivelar regimes jurídicos que foram constitucionalmente pensados como distintos”, explica.
Segundo o jurista, a proposta precisa encontrar um equilíbrio entre coordenação e homogeneização. “O modo como o Executivo deve gerir seus servidores não é necessariamente o mesmo que o Legislativo ou o Judiciário. Uma uniformização excessiva pode gerar ingerência de um Poder sobre outro, enfraquecendo a separação funcional”, observa.
A reforma também afirma não mexer em direitos adquiridos nem no tamanho do Estado. Para Freitas Junior, a promessa é juridicamente possível, mas, na prática, envolve tensões constitucionais relevantes.
“Toda mudança estrutural na administração repercute sobre o equilíbrio entre autonomia dos Poderes e eficiência. Mesmo que não haja redução formal de quadros, o redesenho da forma de gestão pode afetar a independência funcional. O verdadeiro teste será institucional: garantir eficiência sem concentrar poderes administrativos em detrimento da autonomia dos órgãos e entes federativos”, ressalta.
Direito administrativo
Sob a ótica do direito administrativo, a advogada especialista em direito administrativo Deborah Toni evidencia que um dos grandes desafios para um possível avanço são as constantes críticas de deputados de esquerda sobre o tema.
“O avanço da matéria tem sido ameaçado pela falta de consenso dentro da base governista e pela oposição de partidos de esquerda. Além disso, frentes do funcionalismo e bancadas temáticas já se mobilizam contra pontos sensíveis, como carreiras, avaliação e teto de gastos subnacional. Sem negociação substantiva, a resistência tende a crescer”, avalia.
A advogada também alerta para os riscos jurídicos do novo modelo de avaliação de desempenho e remuneração variável.
“Critérios objetivos, instâncias revisoras e garantias de contraditório devem estar expressamente previstos em lei complementar. Caso contrário, há violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e segurança jurídica, abrindo espaço para ações de inconstitucionalidade”, analisa.
Entre as salvaguardas necessárias para que a reforma avance sem precarizar o serviço público, Toni destaca a preservação da estabilidade e da irredutibilidade de vencimentos.
“A estabilidade é uma cláusula de proteção institucional indispensável. Ela blinda o servidor de pressões políticas e assegura a continuidade e impessoalidade da administração. Também é essencial que eventuais mudanças respeitem regras de transição claras e não confiscatórias”, defende.
Principais pontos da reforma administrativa
Avaliação, bonificação, modernização e planejamento
- Implantação de um sistema de avaliação periódica para servidores, com incentivos e progressão na carreira vinculados ao bom desempenho. Caso contrário, o servidor pode estar sujeito à perda do cargo, conforme regulamentação;
- Criação de bônus anuais por resultados para incentivar a produtividade e o cumprimento de metas;
- Transformação digital na administração pública, buscando a interoperabilidade de sistemas, identificação única nacional e rastreabilidade digital dos atos administrativos;
- Presidentes, governadores e prefeitos devem publicar um plano estratégico detalhado sobre seu mandato, com metas e resultados esperados.
Diminuição de gastos e privilégios
- Criação de uma tabela única de remunerações para todos os servidores em cada ente federativo, para desfavorecer distorções salariais;
- Extinção de benefícios como férias superiores a 30 dias para a maioria das carreiras e auxílios ilimitados, estabelecendo um limite de 10% da remuneração para quem recebe próximo ao teto.
Conversão monetária de férias e licenças não utilizadas
- Progressões ou promoções passam a ser baseadas exclusivamente em tempo de serviço;
- Estabelecimento de um teto para as despesas com pessoal e gastos primários, levando em consideração o aumento à variação da receita e à inflação (IPCA);
- Extinção da aposentadoria compulsória como punição.
Modificações sobre concursos e carreiras públicas
- Os concursos passam a ser precedidos por um diagnóstico da força de trabalho. A priorização é por contratação para carreiras transversais, ou seja, que podem transitar em diferentes áreas da administração pública. Estados e municípios são incentivados a aderir ao CNU (Concurso Nacional Unificado);
- As carreiras passam a ter, no mínimo, 20 níveis até o topo, com intervalos de progressão mais longos. O salário inicial passa a ser limitado por 50% do valor do último nível da carreira;
- Cargos em comissão passam a configurar apenas 5% da força de trabalho total e metade desses postos deve ser ocupada por servidores efetivos.
Fonte: R7