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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, causou repercussão na comunidade internacional no último sábado (30) ao ameaçar taxar os Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, caso o bloco siga adiante com a ideia de criar uma moeda comercial única. A iniciativa, em discussão desde 2023, foi proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como forma de reduzir a dependência do dólar e amenizar os custos operacionais de transações que envolvem os países do bloco. Apesar de ambiciosa e estratégica, especialistas apontam que a viabilidade da proposta enfrenta desafios estruturais e políticos.
Nas redes sociais, Trump criticou a iniciativa e exigiu um compromisso dos Brics para não criar ou apoiar qualquer outra moeda que substitua o dólar americano. O próximo presidente dos EUA disse, ainda, que as nações que seguirem com a ideia serão taxadas em 100% ao exportarem produtos aos Estados Unidos.
“Eles podem ir encontrar outro ‘otário!’ Não há chance de que os Brics substituam o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tente deve acenar adeus à América”, escreveu Trump.
O economista Hugo Garbe explica que, antes de tudo, a criação de uma moeda comercial que consiga competir com o dólar exige confiança internacional. Assim, os países do bloco precisariam demonstrar estabilidade econômica, politicas fiscais coordenadas e reservas internacionais robustas. No caso do Brasil, a participação em uma iniciativa desse porte exigiria uma “reconfiguração estrutural na política econômica”, principalmente devido à dependência em commodities e ciclos fiscais instáveis.
Entre as vantagens da moeda, o analista cita a redução dos efeitos adversos de variações na taxa de câmbio e flutuações monetárias, além de possível facilitação no comércio entre os países do bloco. Entretanto, Garbe aponta que, apesar de fortalecer a economia brasileira, uma moeda comum poderia trazer impactos negativos nas exportações, limitação da política monetária e dependência de um ambiente internacional ainda amplamente dolarizado.
“Embora a criação de uma moeda comercial pelos Brics tenha méritos teóricos, sua viabilidade prática demanda cautela. Para o Brasil, o sucesso dependerá de como os interesses nacionais serão protegidos e de quão bem o bloco conseguirá superar suas diferenças estruturais. Em última análise, a proposta oferece oportunidades, mas também carrega riscos que não podem ser subestimados”, completou.
Desafios internacionais
Natali Hoff, especialista em relações internacionais, afirma que, ao criar uma moeda, os países do bloco teriam que lidar com tensões políticas “significativas” no sistema internacional. “A própria fala do Trump evidencia isso. De que os Estados Unidos não vão acatar, de maneira passiva, esse tipo de iniciativa, já que é uma iniciativa que se contrapõe de maneira direta à hegemonia americana”, explicou.
No caso dos Brics, Natali afirma que cada vez mais os países-membros apostam que a adoção de uma moeda comercial poderia garantir uma autonomia, principalmente no que diz respeito à ordem econômica internacional.
“Entendem [os Brics] que essa ordem foi criada à luz dos interesses dos países ocidentais, sobretudo Estados Unidos e países da Europa ocidental, e ela acaba muitas vezes indo de encontro com aqueles interesses de economias emergentes, como é o caso do Brasil. Então, são Estados que defendem essa posição e que defendem a necessidade de reforma das instituições internacionais”, disse.
As reações americanas são outro entrave que pode dificultar o avanço da proposta, sobretudo, no que se diz respeito a países que já sofrem sanções dos Estados Unidos. “Quando a gente começa a pensar em outros atores, mesmo a China, que vai se beneficiar muito nesse processo de diminuir a hegemonia do dólar, tem uma economia muito interdependente com os americanos. Então, você precisa pesar muito bem esse processo”, completou.
Apesar das ameaças do futuro presidente americano, a especialista ressalta que dificilmente ele conseguirá taxar todos os países, uma vez que essa medida poderá representar perdas econômicas significativas aos Estados Unidos. Uma possível tensão entre Brasil e o governo estadunidense vai depender do avanço da discussão sobre a moeda, comenta Hoff.
“A princípio, enquanto os Brics estiverem apenas deliberando e estudando a possibilidade de criação de uma nova moeda, isso vai afetar as relações do Brasil com os Estados Unidos no âmbito discursivo. Não vejo o Trump sancionando o Brasil neste momento, mas é algo que a gente precisa prestar atenção de acordo com as escolhas dos atores”, afirmou.
África do Sul
Após as ameaças de Trump, o porta-voz do Ministério das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul da África do Sul, Chrispin Phiri, afirmou neste domingo (1º) que “relatos errôneos” levaram à narrativa incorreta de que o bloco estaria planejando criar uma nova moeda de referência para substituir o dólar, mas que “este não é o caso”. Segundo ele, a discussão entre os Brics seria o foco no comércio entre países-membros usando suas próprias moedas nacionais.
“Os líderes dos Brics pediram um sistema financeiro internacional reformado para facilitar o comércio em moedas locais. No entanto, os Brics não estão discutindo a criação de uma moeda comum dos Brics. Em vez disso, a África do Sul apoia o uso crescente de moedas nacionais no comércio internacional e transações financeiras para mitigar o impacto das flutuações cambiais, em vez de focar na desdolarização”, disse Phiri.
Fonte: R7