O delegado Samuel Silveira, titular do Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (DENARC), foi o convidado da semana do A10Cast, podcast da TV Antena 10, exibido neste domingo (22). Durante a entrevista, o delegado abordou o enfrentamento ao tráfico de drogas no Piauí, detalhou operações realizadas pelo departamento e comentou casos emblemáticos envolvendo facções criminosas e o comércio ilegal de entorpecentes no estado.
Samuel Silveira explicou como o estado do Piauí se insere no ecossistema do tráfico de drogas em nível nacional, destacando que a posição geográfica do estado o torna uma rota estratégica para o escoamento de grandes carregamentos de entorpecentes com destino a outras regiões do país. Segundo o delegado, essa localização favorece a atuação de organizações criminosas interestaduais que utilizam o território piauiense como corredor logístico para o tráfico.
“Eu não diria que a posição geográfica do Piauí é um fator de favorecimento para a venda da droga internamente, até porque o tráfico é um comércio. Sendo um comércio, naturalmente a finalidade dele é o lucro. Tendo a perspectiva de comércio e tendo a perspectiva de lucro e observando o fluxo da mercadoria, nós observamos dois caracteres que existem no Piauí que fazem do Piauí um estado peculiar: para o transporte da droga, mas não propriamente para a comercialização interna. Qual o maior destaque que o Piauí teria no mundo do tráfico? Considerando a vizinhança, a forma alongada geograficamente, fatalmente por aqui no Piauí, muita da droga que vai para o Ceará, para o Pernambuco, Rio Grande do Norte, para serem encaminhadas para os dois grandes mercados consumidores em todo o mundo, que é justamente os EUA e Europa, essa droga passa no Piauí. Ela passa pelo Sul, quando uma droga vem ali de São Paulo do Mato Grosso, de Brasília; ela vem pelo Maranhão quando é uma droga que circula pelo Norte do país. Como temos muitas rodovias e é o principal meio de transporte de mercadorias como um todo, aí o Piauí ganha destaque”, disse.
De acordo com Silveira, o Piauí perde importância na comercialização interna nesse aspecto. No âmbito local, é mais comum o consumo e tráfico de drogas mais baratas, como maconha e crack. “Você não vai vender uma droga em um mercado que não tem condição de pagar, é a lógica mercantil que envolve o tráfico. Não podemos dizer que o estado do Piauí recebe muita drogas, podemos dizer com muita facilidade que pelo estado do Piauí passa, é transportada, tem passagem de muita droga”, destaca.
Caso Tatiana Medeiros
Durante a entrevista, Samuel Silveira contextualizou a atuação das facções criminosas no Piauí, apontando como essas organizações se estruturaram ao longo dos anos e se transformaram em verdadeiras empresas do crime, com foco no domínio territorial e no controle do tráfico de drogas. O delegado pontuou também que o avanço dessas facções não se restringe às periferias e podem chegar também na política.
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“Eles se mantêm no crime, mas querem cada vez mais ter tentáculos para se proteger e ter representados os seus interesses. A gente sabe qual é o campo em um sistema democrático em que os interesses são melhores representados, que é o campo da política. É natural e é importante que as nossas instituições tenham isso em mente, que o crime organizado tente cada vez mais ingressar no campo da política, porque ela legitima comportamentos”, pontua.
Legalização da maconha
Na entrevista, Samuel Silveira também manifestou sua posição contrária à legalização da maconha. Com quase duas décadas dedicadas ao enfrentamento ao narcotráfico, o delegado argumentou que sua experiência de campo reforça a convicção de que a droga tem efeitos devastadores, sobretudo no núcleo familiar.
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“Eu parto do pressuposto de que não se deve legalizar a maconha. Há uma série de discussões de ordem econômica, saúde, sociais; mas veja: eu tenho dois raciocínios que são muito fortes em mim. Eu trabalho com essa parte de enfrentamento às drogas há quase 20 anos e desde que eu entrei na polícia, essa sempre foi minha maior paixão. Sei o mal que a droga faz na vida das famílias e para mim ver uma mãe defendendo a legalização de uma droga, seria algo que poderia me fazer pensar a mudar meu raciocínio. Na minha história de trabalho eu tenho visto o inverso. O indivíduo entrando para a droga e a família padecendo, principalmente a mãe. Eu não consigo defender algo que é falência social, por meio da falência familiar. Segunda dificuldade: uma visão policial muito clara de que a partir da legalização da maconha nós vamos abrir mais um leque absurdo de lavagem de dinheiro do tráfico, da cocaína, da droga sintética”, reitera.
Além do impacto social, Samuel também apontou um risco estratégico: o fortalecimento do crime organizado. “Me parece que legalizar a maconha é fortalecer cada vez mais o crime organizado que tem o poderio ligado aos grande países produtores de droga que vão lavar o dinheiro da cocaína e do crack na maconha e vão se armar ainda mais, levando para o controle dos territórios das comunidades, sobretudo as mais carentes”, afirma.
Denarc como máquina de destruir carreiras criminosas
O delegado Samuel Silveira ressaltou, com orgulho, o papel de protagonismo que o Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) tem assumido no combate aos grandes nomes do tráfico no Piauí. Segundo ele, a atuação do departamento tem sido decisiva para desarticular organizações criminosas estruturadas e enfraquecer figuras que, até pouco tempo, eram consideradas inalcançáveis.
Entre os casos emblemáticos, Silveira citou o de Brizola, apontado como chefe do Bonde dos 40 e uma das lideranças mais temidas da região da Santa Maria da Codipi. Outro nome citado pelo delegado foi Alandilson Passos, companheiro da vereadora Tatiana Medeiros, também ligado à mesma facção.
“Com muita alegria profissional, eu digo que o Denarc tem sido uma máquina de destruir carreiras criminosas de traficantes tradicionais. Foi assim com o Brizola, que chefiava o Bonde dos 40 e era praticamente inalcançável, principalmente na região da Santa Maria da Codipi. Foi feito um trabalho em que toda a carreira criminosa dele está fracassada. Ele se encontra recluso e agora o Alandilson. Apenas para citar dois de muitos que poderia citar. O Alandilson era alguém inatingível dentro da organização do Bonde dos 40. Era o principal gerenciador financeiro dessa organização e um dos formadores do Bonde dos 40. No estado do Piauí poderia dizer em nível de destaque que só perdesse para o próprio criador do Bonde dos 40 que está preso no Ceará. Hoje, baseado em todo esse trabalho de inteligência, toda essa carreira criminosa tem sido deteriorada”, destaca o delegado.
Operações midiáticas?
Samuel Silveira também respondeu às críticas direcionadas às operações policiais que, segundo alguns setores, teriam um tom excessivamente midiático. O delegado rebateu os questionamentos destacando dados concretos do trabalho realizado pelo Denarc. Silveira também reforçou que o volume de operações tem refletido diretamente na redução dos índices de violência.
“Só esse ano, nós apreendemos 43 armas de fogo. Para se ter ideia do que isso representa, com uma única apreensão de arma de fogo, o DHPP conseguiu elucidar seis homicídios. Uma arma não é utilizada para tirar apenas a vida e como as operações não dão resultado se há um número crescente de prisões, número crescente de apreensões de drogas e veja o paralelo: em contrapartida, temos números em queda de homicídios, e latrocínios, quedas em todos os crimes violentos letais e intencionais; então, se nosso objetivo é salvar vidas fazendo isso por meio do combate ao tráfico, por meio do combate às facções e faz um número grande de operações e o resultado é a queda nos índices de violência, isso mostra o resultado e tem sido positivo.
Pretende voltar para a política?
Questionado sobre um possível retorno à política, o delegado Samuel Silveira adotou um tom sereno e direto. Apesar do histórico como vereador de Teresina, ele afirmou que, no momento, essa não é uma prioridade em sua vida. Ele destacou que sua realização pessoal e profissional já está completa na atividade policial.
“Naturalmente quem exerce uma liderança e pelo fato de ter sido político, mas não é uma prioridade na minha vida. Sequer eu tinha objetivo de ser vereador de Teresina. Pelo trabalho apresentado, convites vieram. Cheguei a recusar por três vezes. Estive na câmara municipal por duas oportunidades. Acho que não envergonhei nenhum cidadão que confiou no meu caráter para representá-lo [...] se num futuro algo acontecer que me leve novamente para a política, é como foi no passado. Como consequência e não como uma busca pessoal para realização própria. Já me realizo como delegado, sou feliz no meu dia a dia, com meus amigos, minha vida e se isso acontecer novamente, é como foi no passado: sendo chamado e não pedindo para entrar”, finaliza.