Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União identificou uma série de falhas estruturais, operacionais e de gestão na execução do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) no município de Tanque do Piauí, com impactos diretos sobre a concessão do Bolsa Família e outros benefícios sociais. O relatório, que analisou os exercícios de 2023 e 2024, na gestão do Prefeito Tiel Sales (PP), apontou que aproximadamente 41% das famílias cadastradas como unipessoais apresentam divergências na composição familiar declarada, o que levanta suspeitas de benefícios pagos de forma indevida.
A auditoria foi conduzida entre fevereiro e junho de 2025 e teve como foco principal a avaliação dos procedimentos de inclusão, averiguação e qualificação cadastral de famílias formadas por apenas uma pessoa — um grupo que cresceu de forma significativa no município nos últimos anos.
O relatório evidencia um conjunto de falhas sistêmicas, tanto na gestão municipal quanto na operacionalização do CadÚnico no CRAS local. Entre os principais achados, destacam-se:
Ausência de comprovação dos resultados obtidos com recursos federais do PROCAD-SUAS, incluindo a falta de relatórios, diagnósticos e indicadores que permitam avaliar a efetividade das ações financiadas;
Inexistência de processos licitatórios para contratação de serviços técnicos relacionados ao CadÚnico com recursos do PROCAD-SUAS;
Desconhecimento, pela gestão municipal, de normas essenciais do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), especialmente da Instrução Normativa Conjunta nº 4/2023, que estabelece critérios específicos para o cadastramento de famílias unipessoais;
Fragilidade na atuação do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), que não acompanhou de forma efetiva o crescimento expressivo de famílias unipessoais nem a aplicação dos recursos federais;
Insuficiência de visitas domiciliares, consideradas essenciais para validar a real composição familiar dos beneficiários;
Déficit de pessoal, com apenas duas entrevistadoras responsáveis por cadastramento, atualização, averiguação, busca ativa e atendimento a outros programas sociais;
Falta de capacitação técnica dos servidores e ausência de ações educativas voltadas à população sobre os critérios do CadÚnico;
Carência de recursos operacionais, como computadores adequados, scanners portáteis e equipamentos móveis para o cadastramento domiciliar.
A CGU constatou que o município não recebeu recursos do PROCAD-SUAS em 2024, justamente por não ter conseguido reduzir o percentual de famílias unipessoais para o limite exigido pelo MDS (16%). Em janeiro de 2025, esse percentual ainda era superior a 26%.
Além disso, o município manteve recursos do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) parados em conta por longos períodos, o que também comprometeu sua elegibilidade a novos repasses e reforçou a condição de Tanque do Piauí como Município Prioritário (MUPS) para acompanhamento federal.
Dado mais alarmante: 41% com indícios de irregularidade
Durante visitas domiciliares realizadas pela CGU, 9 das 22 famílias entrevistadas apresentaram indícios claros de que não se enquadram como unipessoais, apesar de estarem cadastradas dessa forma e receberem regularmente o Bolsa Família. Em alguns casos, foi identificado compartilhamento de residência, renda ou vínculos familiares não declarados.
Esse cenário evidencia risco concreto de pagamentos indevidos de benefícios sociais, ao mesmo tempo em que pessoas que realmente se enquadram nos critérios podem estar ficando fora dos programas.
O relatório da CGU não impõe condenações judiciais nem sanções diretas aos gestores neste momento. Trata-se de uma auditoria de avaliação, cujo objetivo é identificar falhas, riscos e fragilidades na execução das políticas públicas.
No entanto, o documento:
Registra formalmente os achados, que podem subsidiar futuras ações de responsabilização, caso irregularidades sejam confirmadas;
Encaminha recomendações ao MDS e à gestão municipal, para correção imediata das falhas;
Serve como base para monitoramento contínuo, podendo resultar em novos bloqueios de recursos federais se as inconsistências persistirem;
Pode embasar ações futuras do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, a depender do desdobramento das irregularidades.
A Prefeitura de Tanque do Piauí foi oficialmente notificada para se manifestar sobre os achados, mas não apresentou resposta à CGU, o que foi registrado no relatório final. O documento alerta que, sem mudanças estruturais, o município continuará exposto a riscos de irregularidades, perdas de recursos federais e exclusão indevida de famílias em situação de vulnerabilidade real.