Operação Galho Fraco expõe suspeita de esquema milionário com cotas parlamentares no coração do Congresso

Apreensão de R$ 400 mil em dinheiro vivo na casa do deputado Sóstenes Cavalcante e indícios de empresas de fachada reforçam investigação da PF

A deflagração da Operação Galho Fraco, nesta sexta-feira (19), expõe mais uma vez uma fragilidade estrutural do sistema político brasileiro: o uso recorrente da cota parlamentar — criada para viabilizar o exercício do mandato — como possível engrenagem de esquemas de desvio de recursos públicos. Desta vez, os alvos são dois deputados federais em exercício e figuras centrais do PL no Rio de Janeiro: Sóstenes Cavalcante, líder do partido na Câmara, e Carlos Jordy.

Autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, a operação cumpre sete mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e no Rio de Janeiro. O foco da investigação é um suposto esquema de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, com uso de empresas de fachada para justificar despesas inexistentes ou irregulares bancadas com recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar.

  
Operação Galho Fraco Divulgação
 
 
 

Segundo a Polícia Federal, a apuração é um desdobramento direto da Operação Rent a Car, deflagrada em dezembro do ano passado, que mirou assessores dos parlamentares. A análise de mensagens de celular, depoimentos e quebras de sigilo bancário e fiscal, colhidas naquela fase, levou os investigadores aos próprios deputados. O material reunido indicaria uma atuação coordenada entre agentes políticos, servidores comissionados e particulares para o desvio e posterior ocultação de dinheiro público.

A decisão do ministro Flávio Dino é explícita ao apontar indícios de que a cota parlamentar teria sido utilizada para cobrir “despesas inexistentes” e “irregulares”. Entre os mecanismos descritos está o uso de empresas como a Harue Locação de Veículos LTDA ME e a Amazon Serviços e Construções LTDA, apontadas como fachadas. Em um dos trechos mais sensíveis do despacho, Dino afirma que a empresa Harue seria, de fato, de propriedade do assessor Itamar de Souza Santana, sendo gerenciada por familiares para conferir aparência de legalidade aos contratos firmados com a Câmara dos Deputados.

As investigações também identificaram o uso da técnica conhecida como “smurfing” — o fracionamento de valores em depósitos ou saques inferiores a R$ 10 mil — para dificultar a fiscalização e rastreabilidade dos recursos. Conversas de WhatsApp apreendidas pela PF mencionam, segundo os investigadores, “pagamentos por fora”, reforçando a suspeita de um esquema estruturado e contínuo.

Um dos episódios mais emblemáticos da operação foi a apreensão de cerca de R$ 400 mil em dinheiro vivo em um endereço ligado ao deputado Sóstenes Cavalcante, em Brasília. O valor estava guardado em um saco preto, dentro de um armário no flat utilizado pelo parlamentar. Embora a posse de dinheiro em espécie não seja crime, o contexto — aliado às suspeitas de contratos falsos e desvio de recursos públicos — amplia o peso político e simbólico da apreensão.

Os nomes citados pela Polícia Federal incluem assessores diretamente ligados aos gabinetes dos deputados, como Adailton Oliveira dos Santos e Itamar de Souza Santana. Para os investigadores, os elevados valores movimentados por esses servidores indicam que ainda podem existir outros vínculos e ramificações não identificados, o que mantém a apuração em aberto.

No campo das reações, o contraste também chama atenção. O deputado Carlos Jordy publicou nota e vídeo nas redes sociais afirmando ser vítima de perseguição política e negando qualquer irregularidade. Disse ainda que a empresa investigada é utilizada por seu gabinete desde o início do mandato e que mandados foram cumpridos em endereços de familiares. Já Sóstenes Cavalcante, até o momento, não se manifestou publicamente sobre o conteúdo das investigações nem sobre a apreensão do dinheiro.

O caso recoloca no centro do debate um velho problema: a baixa transparência e a fiscalização limitada sobre o uso da cota parlamentar. Trata-se de um recurso público adicional ao salário, destinado a despesas específicas do mandato, mas que historicamente tem sido alvo de denúncias, abusos e distorções. Quando líderes partidários e parlamentares com projeção nacional passam a figurar como investigados, o dano extrapola o campo individual e atinge a credibilidade do próprio Parlamento.

Ainda não há condenações, e o princípio da presunção de inocência deve ser preservado. No entanto, os elementos descritos nas decisões judiciais e nos relatórios da Polícia Federal indicam que não se trata de uma apuração superficial. O uso de empresas de fachada, a movimentação fracionada de recursos e a apreensão de grandes quantias em espécie desenham um roteiro conhecido — e recorrente — em escândalos de corrupção no país.

Mais do que aguardar o desfecho judicial, o episódio impõe uma reflexão política: enquanto mecanismos como a cota parlamentar continuarem vulneráveis a fraudes e dependentes quase exclusivamente de controles formais, novos “galhos fracos” seguirão sustentando esquemas que corroem a confiança pública e alimentam a descrença na representação política.