Uma denúncia apresentada pela empresa DRC Comércio Ltda levou o Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) a intervir em um dos maiores processos licitatórios conduzidos pelo Consórcio dos Municípios do Médio Parnaíba do Piauí (COMEPA). O caso envolve o Pregão Eletrônico nº 001/2025-SRP, destinado ao registro de preços para fornecimento parcelado de insumos utilizados no cuidado ao paciente, com valor global estimado em R$ 104,5 milhões e vigência inicial de 12 meses, podendo ser prorrogado por até dez anos.
A denúncia aponta irregularidades na condução do certame, especialmente na desclassificação da DRC Comércio Ltda, que havia sido declarada vencedora dos Grupos 3, 6 e 12, com propostas consideradas globalmente mais vantajosas para a administração pública. Segundo a empresa, sua desclassificação ocorreu porque três itens específicos apresentaram preços unitários ligeiramente acima do valor de referência interno definido pela administração, apesar de o valor total dos grupos representar reduções expressivas, entre 40% e 60%, em relação ao orçamento estimado.
Na análise técnica, a Diretoria de Fiscalização de Licitações e Contratações (DFCONTRATOS) concluiu que a desclassificação não priorizou a vantajosidade global da proposta. O relatório aponta que o suposto sobrepreço unitário, concentrado em poucos itens e estimado em R$ 57.268,00, resultou na adjudicação de propostas globais R$ 402.755,60 mais caras para os três grupos licitados. Para o órgão técnico, a decisão acabou contrariando o interesse público ao gerar maior custo para a administração.
Outro ponto considerado sensível pelo TCE-PI foi o fato de que, mesmo diante da controvérsia, contratos decorrentes da ata já estavam em vigor. Consta nos autos que o Contrato nº 010/2025, firmado pela Prefeitura de Picos com a empresa Distribuidora Mercury de Medicamentos Ltda, soma R$ 4,46 milhões, com pagamentos já realizados superiores a R$ 1,15 milhão. Já o Contrato nº 072/2025, firmado pela Prefeitura de São Gonçalo do Piauí, tem valor de R$ 1,35 milhão, também com pagamentos efetuados em 2025. Ambos os contratos preveem possibilidade de prorrogação, o que, na avaliação do Tribunal, amplia o risco de dano continuado ao erário.
Ao examinar o caso, o relator destacou que o edital do pregão adotou como critério de julgamento o menor preço por grupo, o que exige análise do conjunto da proposta, e não apenas de itens isolados. Nesse contexto, a decisão ressalta entendimento já consolidado pelo Tribunal de Contas da União de que não se caracteriza sobrepreço quando o valor global da proposta se mantém dentro de parâmetros aceitáveis e mais vantajosos para a administração.
Embora reconheça que a administração esteja vinculada às regras do edital e à legalidade estrita, o TCE-PI ponderou que esses princípios devem ser analisados em conjunto com a economicidade e a razoabilidade. Para a Corte, a aplicação rígida de critérios formais, sem avaliar o impacto financeiro global, pode resultar exatamente no efeito contrário ao que a licitação busca evitar: a contratação mais onerosa e menos eficiente.
Diante da presença do chamado fumus boni iuris, caracterizado pela plausibilidade das irregularidades apontadas, e do periculum in mora, evidenciado pelo risco de continuidade de pagamentos com base em propostas menos vantajosas, o Tribunal decidiu conceder medida cautelar. A decisão determinou a suspensão da Ata de Registro de Preços do Pregão Eletrônico nº 001/2025, especificamente em relação aos Grupos 3, 6 e 12, até o julgamento definitivo do mérito da denúncia.
Além da suspensão, o TCE-PI proibiu o COMEPA de autorizar novos contratos ou adesões à ata suspensa e determinou que os municípios de Picos e São Gonçalo do Piauí se abstenham de prorrogar os contratos já firmados com base nesses grupos. A decisão também ordenou a citação do presidente do consórcio, Prefeito de Hugo Napoleão, Luciano Filho (PT), do pregoeiro Adailton Santos de Sousa, do secretário de Saúde de Picos, Tales Coelho Pimentel, da prefeita de São Gonçalo do Piauí, Gerlane Cabral (MDB), e da empresa contratada, para que se manifestem sobre os fatos no prazo legal.
Neste momento, não houve aplicação de multas ou outras penalidades financeiras, uma vez que o Tribunal analisou apenas o pedido de medida cautelar. As responsabilidades individuais e eventuais sanções só serão definidas após o julgamento do mérito da denúncia, quando o TCE-PI avaliará, de forma definitiva, se houve violação aos princípios da legalidade, da economicidade e da seleção da proposta mais vantajosa.
A decisão foi proferida em 15 de dezembro de 2025, pelo conselheiro substituto Delano Carneiro da Cunha Câmara, e reforça o papel do controle externo na prevenção de prejuízos aos cofres públicos, especialmente em contratos de grande vulto e impacto direto na área da saúde.