Entre a prova ilícita e a verdade dos fatos: o caso Tatiana Medeiros expõe os limites da Justiça e da investigação

Até que ponto o combate à corrupção e aos abusos de poder pode caminhar sem ferir o devido processo legal?

O caso da vereadora Tatiana Medeiros (PSB), de Teresina, segue como um dos episódios mais emblemáticos do embate entre o rigor da lei e o clamor por justiça. A recente decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI), que manteve a parlamentar em prisão domiciliar e afastada do mandato, reacendeu o debate sobre a validade das provas que embasaram as investigações e sobre o uso correto dos instrumentos legais durante o processo.

Tatiana Medeiros Divulgação

   

Em decisão anterior, uma liminar havia autorizado o retorno de Tatiana ao cargo (previsto para esta terça-feira, 14), sustentando que parte das provas reunidas contra ela teriam sido obtidas de forma irregular, o que configuraria violação ao devido processo legal. O ponto central, no entanto, é que essa liminar não inocentou a vereadora, apenas reconheceu ilegalidades na forma como as provas foram coletadas.

A explicação do advogado e especialista em direito eleitoral Wallyson Soares ajuda a compreender o cerne da controvérsia. Segundo ele, a nulidade de atos processuais ocorre quando os procedimentos de investigação não seguem estritamente a lei ou desrespeitam precedentes judiciais já consolidados. 

Tatiana Medeiros TV Antena 10

   

“Todos os procedimentos que devem ser realizados em um inquérito pelas autoridades policiais devem observar a letra da lei e as determinações do STF. Quando isso não ocorre, as provas obtidas de forma ilegal precisam ser anuladas. Isso não quer dizer que sejam falsas — apenas que foram colhidas de modo ilícito e, portanto, não podem sustentar uma condenação”, explica o advogado Wallyson Soares.

A fala do especialista vai ao ponto sensível da discussão: a diferença entre a verdade material e a legalidade processual. Uma prova pode até apontar para um crime, mas se foi obtida de maneira contrária à lei, não pode ser usada para condenar alguém. É um equilíbrio delicado — e perigoso — entre a busca pela verdade e o respeito às regras do jogo jurídico.

No caso de Tatiana Medeiros, o conteúdo das investigações segue sendo grave. Conversas interceptadas — entre elas um áudio atribuído ao namorado da vereadora, preso por envolvimento em outro esquema — indicam que ele afirmava agora ter “uma vereadora na Câmara para ajudar”. O material foi usado pelos investigadores como indício de influência política indevida e de possível participação em um esquema criminoso. Contudo, a forma como essas mensagens foram obtidas é o ponto que fragilizou a sustentação jurídica do processo.

Assim, a liminar que chegou a libertar Tatiana temporariamente não representou um atestado de inocência, mas apenas um reconhecimento de que as provas apresentadas careciam de validade formal. Como reforça Wallyson Soares, o processo penal exige respeito a cada etapa legal — sob pena de todo o esforço investigativo ruir.

“O fato de anular as provas não significa dizer que elas não sejam verdadeiras. Elas podem, sim, apontar para algo concreto, mas só poderão ser apreciadas após um julgamento regular, com direito à defesa e à acusação, conduzido pelo Ministério Público”, acrescenta o advogado.

O que se vê, portanto, é um impasse. De um lado, investigações que revelam sinais de uso político e articulações indevidas. De outro, erros processuais que colocam em risco a própria legitimidade da punição. No meio disso, o cidadão — que assiste a mais um caso em que a fronteira entre a moral e a lei se mostra turva.

O desfecho do caso Tatiana Medeiros ainda está longe do fim. Será um teste para o sistema judicial: até que ponto o combate à corrupção e aos abusos de poder pode caminhar sem ferir o devido processo legal? A resposta exigirá não apenas técnica jurídica, mas também maturidade institucional — e respeito, acima de tudo, à verdade e à legalidade.