Administração de conteúdo e cadastro de novos "membros": delegado detalha o papel das mulheres nas facções criminosas no Piauí

Charles Pessoa, do Draco, comparou a função das mulheres como uma espécie de “Recursos Humanos” do crime organizado, dado o nível de organização

Uma espécie de “Recursos Humanos do Crime”, formada por um grupo feminino altamente organizado, responsável por cadastrar novos integrantes, definir regras e gerenciar informações. É assim que atuavam as mulheres investigadas na Operação Sintonia Feminina, desencadeada pelo Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO) na manhã desta quarta-feira (16), no Piauí. Pelo menos 28 mulheres envolvidas com facções foram presas na megaoperação. 

Em entrevista à TV Antena 10 e ao A10+, o delegado Charles Pessoa, coordenador do Draco, detalhou o esquema criminoso que funciona como um setor de Recursos Humanos das facções. As mulheres mantinham um grupo em aplicativo de mensagens em que eram repassadas informações sobre as regras da organização e até estratégias de recrutamento para novos membros. Toda essa estrutura foi analisada pela polícia ao longo de um ano, conta o delegado.

  

As mulheres ascenderam à posições de liderança dentro das facções
TV Antena10/Reprodução

   

Recursos Humanos do crime

"São mulheres que passam a desenvolver um papel estratégico dentro da própria facção, como, por exemplo, administração de conteúdo, de informações, de cadastro dos próprios faccionados, como se fosse um RH dentro da própria estrutura da organização criminosa. Algumas delas auxiliam os companheiros. Essa investigação é uma acompanhamento que a gente vem desenvolvendo há mais de um ano. Deflagramos a operação em fevereiro de 2024. Conseguimos arrecadar, apreender muitos dados, muitas informações. Tratamos esses dados. As nossas equipes aqui de inteligência conseguiram transformar esse conteúdo em um relatório técnico", disse. 

Elas controlavam listas atualizadas de integrantes, gerenciavam contribuições financeiras mensais dos faccionados e supervisionavam quem estava em dia ou inadimplente com o chamado “caixa” da facção. Outras mulheres detinham cargos de “transmissão de recado”, função considerada estratégica dentro da facção. Elas eram encarregadas de repassar informações sigilosas e ordens da liderança para as células menores espalhadas pelas cidades.

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A polícia também identificou mulheres atuando diretamente na logística do tráfico de drogas. Elas eram responsáveis pelo transporte de entorpecentes entre cidades do Piauí, abrigavam drogas em suas residências e organizavam pontos de venda nas comunidades, muitas vezes usando filhos e parentes para encobrir suas atividades ilícitas.

Mulheres determinam sentenças no Tribunal do Crime

Os policiais descobriram ainda que elas não estão à frente somente de atividades de organização. Algumas estão diretamente ligadas às atividades mais violentas como no "Tribunal do Crime", onde membros transgressores de normas internas ou rivais eram punidos. Um caso emblemático foi o da mulher conhecida como “Felina”, presa anteriormente em São Raimundo Nonato e que mesmo monitorada por tornozeleira eletrônica continuava suas atividades criminosas. Após de estar solta, ela transferiu sua atuação para Canto do Buriti e voltou a exercer papel de liderança.


"Efetuamos a prisão inclusive de um casal visionário que veio do estado de São Paulo para gerenciar essa célula na região de São Raimundo Nonato, e a companheira dele, Felina, foi presa também na operação. Foi colocada em liberdade, estava sendo monitorada por tornozeleira eletrônica, mas ela não se desvinculou da facção. Pelo contrário, ela intensificou as ações criminosas, ela simplesmente mudou de cidade. Saiu de São Raimundo Nonato e foi para a cidade de Canto do Buriti", completou. 


Monarquia do crime

Outro exemplo citado pelo delegado foi o do “casal monarquia do crime”, de Altos. A mulher, presa na operação, atuava ao lado do companheiro não apenas no tráfico de drogas, mas também como liderança que coordenava ações de extrema violência, incluindo punições internas do Tribunal do Crime. Segundo Charles, ela própria se apresentava como uma das líderes locais do grupo.

"Nós identificamos pelo menos três endereços que eles revezavam nessas três residências, como a gente já vinha desenvolvendo esse trabalho de monitoramento, nós conseguimos efetuar a prisão. Eles estavam em interesse diferente, possivelmente uma estratégia realmente para tentar burlar o sistema de segurança pública", contou.

  

Draco deflagra operação no Piauí
Divulgação

   

Ascendência da facção

As mulheres presas tinham autoridade dentro da pirâmide organizacional da facção. O delegado explicou que elas eram aliciadas e muitas vezes ascendiam dentro da facção pela capacidade organizacional e influência. 

"A grande maioria das pessoas que integra essa estrutura criminosa, como se fosse um departamento interno do PCC, são do sexo feminino. Então são mulheres que infelizmente foram aliciadas, cooptadas, passaram a integrar uma estrutura criminosa e começaram a desenvolver papel estratégico. A gente sabe que a mulher tem um poder muito mais forte de convencimento do que o homem. A mulher é mais empoderada, mais organizada, tanto nas atividades lícitas, como, infelizmente, nas atividades ilícitas. Então, quando a mulher passa a integrar uma estrutura criminosa, ela causa um prejuízo muito grande, porque ela passa a influenciar negativamente as famílias", destacou.