A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (17) a urgência para tramitação de um projeto que propõe anistia a condenados por atos golpistas — medida que acelera todo o rito legislativo e permite levar a proposta diretamente ao plenário, sem a tramitação nas comissões. A votação favorável à urgência reuniu 311 votos contra 163 e 7 abstenções. Entre os deputados piauienses, apenas três dos dez representantes apoiaram a urgência: Jadyel Alencar (REP), Júlio Arcoverde (PP) e Átila Lira (PP). Entre os Partidos, 85 parlamentares do PL deram sim, seguido por 49 do União Brasil, 43 do Progressistas e 21 do MDB, mostrando que esse foi um trabalho articulado principalmente na base do Centrão.
Tecnicamente, o que muda por ora é o rito: com a urgência aprovada, o projeto poderá ser apreciado pelo plenário sem passar por comissões, o que acelera cronogramas e reduz debates técnicos e pareceres especializados. Na prática, a Câmara abre a porta para que, em prazo muito curto, um texto — diferente daquele que deu origem ao pedido de urgência — seja apresentado, debatido e votado em plenário. Isso coloca em evidência um problema democrático: aprovar a urgência primeiro e só depois definir o teor da proposta significa votar uma regra do jogo antes de conhecer as regras que vão efetivamente valer. Ou seja, o Parlamento autorizou acelerar a tramitação de algo cujo conteúdo ainda será construído — uma manobra que críticos consideram atípica e arriscada para temas de alta sensibilidade institucional.
A lógica usada por defensores da urgência, segundo relatos do próprio Congresso, é permitir que se discuta rapidamente um projeto que, alegadamente, diminuiria penas (mas não perdoaria as condenações) e poderia alcançar figuras como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Lideranças do PL e do Republicanos embalavam a votação: o PL entregou 85 votos favoráveis, o Republicanos teve quase unanimidade, e o PP também registrou ampla maioria pela urgência, além do MDB com 21 votos a favor. Já partidos como PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede se posicionaram contra.
Anistiar golpes vira tendência perigosa
No Brasil há um casamento entre ataques à democracia e golpes de estado com a anistia. De acordo com o livro "Anistia: Legislação Brasileira de 1822 a 1979", neste período foram 48 perdões no país, 12 deles, os mais recentes, aconteceram de 1951 a 1979 e agora está em curso mais uma tentativa de garantir liberdade a criminosos que, se tivessem conseguido seus objetivos, possivelmente não teriam a mesma condescendência.
A pressa em dar urgência a uma proposta que trata de anistia para condutas que atentaram contra a democracia merece crítica severa. No Brasil, a memória demonstra que anistias mal desenhadas podem sancionar a impunidade e fragilizar o Estado de Direito. A Lei da Anistia de 1979 — editada no contexto da transição do regime militar — beneficiou tanto opositores do regime quanto agentes do Estado, suscitando debates longos sobre a responsabilização por violações de direitos humanos e, para muitos, deixando impunes torturas e assassinatos cometidos por agentes estatais. Repetir, agora, uma prática que relativiza sanções por atentados à ordem constitucional é um mau precedente: passa a mensagem de que, mesmo após condenação judicial, o Congresso pode intervir para reduzir penas ou anular efeitos, transformando o Parlamento numa espécie de “última instância” política sobre crimes contra a democracia. Isso cria incentivo perverso — líderes políticos ou militares com ambições autoritárias podem interpretar a experiência como sinal de que, se fracassarem num golpe, há chances de obter, depois, leniência ou anistia legislativa. Em outras palavras: endurecer a repressão judicial contra atentados à ordem constitucional e, ao mesmo tempo, abrir espaço legislativo para anistias, é praticar um jogo de empurra entre poderes que corrói a própria Constituição que juram defender.
O que vem a seguir
Com a urgência aprovada, o presidente da Câmara e as bancadas partidárias vão negociar o texto que, de fato, será apresentado ao plenário. Haverá prazo curto para emendas e articulações; depois, o projeto poderá ser submetido a votação em sessão marcada. Mesmo com urgência, é provável que o texto ainda passe por negociações intensas — e, dependendo do conteúdo final, por contestações judiciais e forte reação de setores da sociedade civil, do Ministério Público e de partidos de oposição. Se aprovado na Câmara, o projeto segue para o Senado, onde também precisará ser deliberado. Até lá, permanece a incerteza: aprovou-se a pressa, mas não se conhece plenamente a solução que será imposta ao país — e essa incerteza, num tema que toca as bases do regime democrático, é em si um motivo de grande preocupação.
A mentira do Presidente Hugo Motta
“Nesse caminho de construção coletiva, quero reafirmar a mensagem que guia nossa gestão: o Brasil precisa de pacificação. Cabe ao plenário, soberano, decidir. O plenário Ulysses Guimarães é o coração da república", esta foi a mentira dita pelo Presidente da Câmara, Hugo Motta (REP-PB), para justificar pautar e aprovar no plenário o projeto de urgência na anistia aos condenados pelos atos de golpe no Brasil.
O Congresso há muito deixou de ser o “coração do Brasil”. Aliás, está totalmente desconectado do país ao olhar para os interesses políticos e não para as pautas urgentes para os brasileiros como a que trata sobre ampliar isenção no imposto de renda. As pesquisas mostram isso. Em agosto de 2025 o Datafolha mostrou que apenas 18% avaliam como bom ou ótimo e 35% como ruim ou péssimo. Os números apurados pela Quaest são ainda piores, 51% desaprovam o parlamento. Paralelo a isso, o projeto de anistia foi rejeitado por 54% dos pesquisados pelo Datafolha em setembro deste ano.