Bom Princípio do Piauí vive dias turbulentos após vir à tona a suspeita de criação de uma “lei fantasma” que teria sido publicada no Diário Oficial em 31 de dezembro de 2020, último dia de gestão anterior do prefeito Francisco Apolinário Costa Moraes (PSB). De acordo com denúncias apresentadas na Câmara Municipal, a Lei Municipal nº 108/2019 nunca teria tramitado regularmente: não foi protocolada, lida, votada ou sancionada. Mesmo assim, apareceu oficialmente como se fosse válida. Teria sido um arranjo entre irmãos. O texto trata sobre aumento de salários para nutricionista, psicólogo e agente ambiental, essa última com apenas um servidor.
“Não há registros desta suposta Lei em nenhuma Ata da Câmara Municipal e isso é muito grave. A informação que temos é que o Prefeito enviava o texto para seu irmão, Jacinto Moraes, que era Presidente do Legislativo e ele assinava e carimbava para dar legalidade, mas sem passar pelo Plenário, ou seja, colocar em votação o que é uma fraude. Há suspeitas de outras Leis dessa forma e o que esperamos é que o Ministério Público faça uma auditoria completa na Câmara Municipal para não deixar dúvidas sobre essa prática”, destacou a Presidente Noélia Pereira (PSB).
A denúncia aponta que o principal beneficiado seria o atual chefe de gabinete da Prefeitura vereador à época, Ronaldo Campelo Veras, irmão da ex-vice-prefeita e hoje secretária de Saúde, Jucilene Campelo Veras. Documentos enviados ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público indicam que Ronaldo (hoje suplente de vereador) já estaria recebendo desde março de 2019 salários no valor de R$ 3.470,00 mensais, com base nessa suposta lei, o que reforça a suspeita de favorecimento pessoal.
O caso ganhou a pecha de “lei fantasma” justamente porque a norma nunca existiu de fato no trâmite legislativo: não há registro em atas, livros de protocolo ou controle interno da Câmara. Ainda assim, o texto apareceu publicado de forma clandestina, no último dia da gestão 2017–2020, num movimento estratégico para blindar aliados e burlar a fiscalização. Segundo os denunciantes, esse “atalho legislativo criminoso” não se restringe a um benefício isolado, mas expõe um modelo de gestão sustentado pelo favorecimento de familiares e correligionários, com impactos que chegam até os sistemas nacionais de controle fiscal, como o SICONFI e o SAGRES.
As denúncias ainda pedem revisão das contas do município entre 2019 e 2025, suspensão imediata da suposta lei, cessação de pagamentos e responsabilização nas esferas criminal, cível, administrativa e eleitoral. O Ministério Público do Piauí acompanha o caso, já tendo expedido ofício questionando a Câmara Municipal sobre a possibilidade de abertura de processo político-administrativo contra o prefeito Apolinário Moraes. O Tribunal de Contas do Estado, por sua vez, reconheceu a gravidade das acusações, mas determinou a oitiva das partes antes de decidir sobre medidas cautelares.
Embora ainda não haja decisão definitiva, o caso se tornou grande debate político do município. A suspeita de que uma lei inexistente tenha sido usada para sustentar pagamentos públicos coloca em xeque a credibilidade da gestão local e reforça a pressão para que os órgãos de controle investiguem até as últimas consequências. Mas, até lá, o que existe é um cenário de suspeitas graves que colocam Bom Princípio do Piauí no centro de um dos episódios mais delicados de sua história recente.
O Portal A10+ deixa o espaço aberto ao Prefeito de Bom Princípio, bem como demais citados na reportagem, para suas considerações sobre as suspeitas levantadas na denúncia.