O eixo da apuração contra o pastor Silas Malafaia não é sua fé, nem sua atuação religiosa. É a suspeita de atuação política — ativa e coordenada — para pressionar o Supremo e interferir em processo penal contra Jair Bolsonaro. Em 20 de agosto, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal cumpriu busca e apreensão no Galeão, apreendeu o celular do pastor e impôs cautelares: entrega de passaporte, proibição de sair do país e de contatar outros investigados. A decisão registra, com base na PF e na Procuradoria-Geral da República (PGR), indícios de que Malafaia funcionou como “orientador e auxiliar” em ações de coação e obstrução relacionadas ao caso Bolsonaro. Nada ali trata de culto, dogma ou liturgia — trata de condutas que, se confirmadas, são crimes comuns.
O próprio STF informou que o relator remeteu à PGR relatório final da PF sobre coação no julgamento da ação por tentativa de golpe, apontando a participação de Malafaia e de outros atores civis, como o comentarista Paulo Figueiredo. A moldura é nitidamente política: a suspeita de um grupo que, por meios digitais e atos públicos, tentou constranger ministros para afetar um processo penal com réu já definido e data de julgamento marcada. Não há recorte confessional; há recorte funcional — quem fez o quê para atingir o curso do processo.
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Em paralelo, decisões e despachos vinculam a investigação ao conjunto de inquéritos do 8/1 e da tentativa de golpe, incluindo a Ação Penal 2668. Na fundamentação tornada pública, Moraes descreve o encadeamento de “atos executórios” de coação e obstrução, apontando Malafaia como liderança operativa nessas frentes — de novo, o foco é a tentativa de interferir em um julgamento, não a profissão de fé onde tenta se vitimizar e se esconder. A agressividade e xingamentos proferidos pelo religioso estão longe do que se espera de um pastor, mas de um ativista político que não poupa sequer aliados.
Os fatos mais recentes reforçam o caráter político do caso. A PF relacionou diálogos a partir de 9 de julho e descreveu o papel do pastor na definição de “estratégias de coação” e na difusão de “narrativas inverídicas” para constranger a cúpula do Judiciário. São formulações típicas do Direito Penal e Processual — coação no curso do processo, obstrução de investigação — que não se confundem com liberdade religiosa. As cautelares impostas (apreensão de celular e passaporte, restrição de contatos) são medidas usuais em apurações de crimes dessa natureza.
Há também o elemento público da retórica. Em vídeos e falas, Malafaia vem tratando Moraes como “ditador”, pedindo sua prisão e convocando atos de rua. É linguagem de palanque, não de púlpito. Em julho, classificou o ministro de “ditador” em ataque que se estendeu à imprensa; na sequência das medidas de 20 de agosto, voltou a convocar mobilização e a defender prisão do magistrado. O contraste é evidente entre o que se espera de quem prega a palavra (sobriedade, comedimento, respeito ao próximo) e o repertório de insultos e convocações de enfrentamento dirigido a autoridades. Isso não pesa por ser “religioso”, mas por ser um ator político — com megafone e influência — que escolheu a escalada verbal como tática.
Por fim, é útil lembrar o contexto institucional. As decisões de Moraes nesse campo não são ilhas: partem de pedidos da PF, têm anuência da PGR e se inserem em colegiados do STF que, desde 2023, julgam atos e tentativas contra a ordem democrática. Quando há bloqueios de perfis ou ações penais, o tribunal explicita números, fundamentos e tipificações penais — um recorte que abarca empresários, influenciadores, ex-auxiliares e políticos de variadas origens, quase todos sem qualquer relação com pastorado. Trata-se, portanto, de um conflito político-judicial, em que a condição religiosa do investigado não o incrimina nem o imuniza.
Em suma: o que põe Silas Malafaia na mira não é o que ele crê, mas o que ele teria feito — orientar, insuflar e coordenar ações para constranger a Justiça num caso penal de alta gravidade. O debate público pode ser áspero; o púlpito, eloquente. Mas quando a estratégia cruza a linha para a coação de julgadores e a obstrução de processos, a arena deixa de ser religiosa e passa a ser penal. É nesse terreno — e somente nele — que o caso caminha hoje.