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Já cantava Luiz Gonzaga, "o jumento é nosso irmão" (Apologia ao Jumento), numa ode àquele que por séculos foi o motor da sobrevivência no Nordeste. Em tempos de seca e chão rachado, o jumento era força, era transporte, era companhia. Com paciência, coragem e teimosia, ele atravessava os sertões carregando água, alimento, sonhos e histórias. Mas hoje, esse símbolo de uma cultura inteira caminha para o desaparecimento — silencioso, invisível e cruel.
Em 1999, havia mais de 1,3 milhão de jumentos no Brasil. Agora, em 2025, esse número caiu para apenas 78 mil, o que representa uma queda de 94% na população desses animais. A maioria dos poucos que restam vive abandonada nas margens de estradas, à mercê de acidentes ou de atravessadores que os capturam para um destino triste: o abate.

Esta realidade e os dados foram apresentados neste final de semana no III Congresso internacional de Jumentos do Brasil, em Maceió-AL. Representando o Piauí, Fernanda Faustino, moradora de Barra Grande, em Cajueiro da Praia. Em 2014 ela fundou a comunidade Barra Pets (@barrapets), que tem denunciado abate ilegal desses animais, onde a carne e a pele ganham mercado internacional, sobretudo China e Taiwan. Apesar de não haver abatedouros autorizados no Estado, os jumentos são levados para a Bahia, onde existem pelo menos três.
“Já se entende que se não for revogada leis que tratam o animal apenas como mercadoria esse animal não dura nem 10 anos mais PL 5949/2013 e PL 2387/2022). O Piauí não abate, mas exporta de maneira ilegal pra Bahia onde tem frigorífico legalizado. Em barra grande tivemos 22 animais roubados em 2022. O delegado Emir Maia (quando era titular da DPMA) estava no caso, mas não deu prosseguimento. Os animais, quando ele encontrou o matadouro ilegal, já tinham sido abatidos e levados. Os principais mercados desse produto são carnes pra Taiwan e pele para a China, de onde é retirado ejiao, uma espécie de gelatina de colágeno que promete vitalidade e longevidade. O crescimento do comércio de 1990 para 2022 é de 90% do consumo do ejiao”, explica Fernanda.
O produto movimenta milhões de dólares todos os anos à custa de uma espécie que virou apenas mercadoria. Desde 2016, mais de 299 mil jumentos foram abatidos no Brasil, sendo a Bahia o principal estado envolvido nesse processo, com três frigoríficos autorizados pelo Governo Federal. No mesmo período carne e pele renderam mais de R$ 2.871 milhões, de acordo com os dados apresentados no Congresso. É visível que não há uma política pública federal de proteção a esses animais, nem projetos efetivos de valorização cultural.
Sem políticas de preservação e com a continuidade da exportação, o Brasil corre o risco de perder uma espécie que moldou seu próprio território. O jumento, que já foi símbolo de desenvolvimento e superação no sertão, está sendo vendido em pedaços, com quase nenhuma resistência institucional.
A luta do Piauí é um grito que precisa ecoar: o jumento não é só parte da paisagem, é parte da nossa história, da nossa cultura, da nossa alma. E se nada for feito agora, ele pode desaparecer antes mesmo de muita gente perceber.
Fonte: Portal A10+