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Especialistas consultados pelo R7 avaliam que a condenação definitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela trama golpista abre um “vácuo” no campo da direita e pode impactar as eleições gerais do próximo ano.
Na visão de cientistas políticos, Bolsonaro “fora do jogo” pode acarretar reformas internas não só no PL, mas também entre aliados de outros partidos.

O desafio é encontrar um nome que seja “eficaz” em carregar o “legado” do ex-presidente — que tende, segundo os especialistas, a se tornar menos um ator e mais um “símbolo”.
Nessa terça-feira (25), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes declarou o trânsito em julgado do processo da trama golpista que envolve o ex-presidente. Com isso, não há mais como apresentar recursos contra a condenação, que se tornou definitiva. Bolsonaro já começou a cumprir a pena.
Além da prisão, pesa na equação a variável da inelegibilidade do ex-presidente. Por determinação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em junho de 2023, ele não pode participar de eleições até 2030.
No entanto, o prazo pode ser ainda maior. Isso porque a condenação de Bolsonaro pelo STF a 27 anos e três meses de prisão, em setembro, pode deixá-lo “fora do jogo” ao menos até 2060.
Pela Lei da Ficha Limpa, uma condenação por órgão colegiado — como o Supremo — torna a pessoa inelegível por oito anos após o cumprimento da pena. Ou seja, caso Bolsonaro fique preso até 2052, a exclusão das eleições pode durar até 2060, caso a pena seja cumprida integralmente e não haja mudanças na lei.
Reforma interna
Para o cientista político André César, o cenário atual reforça a necessidade de reestruturação do PL e da direita.
“Não só Bolsonaro, mas o bolsonarismo tal qual conhecemos hoje, está esvaziando. Não vai ser um novo nome, como Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo], que vai se ligar, se colocar como o novo Bolsonaro, não”, avalia.
Para o especialista, é preciso que a direita busque nova roupagem e outros projetos.
“O impacto é direto, e eles vão ter que ser rápidos, porque a eleição está a 10 meses, nós já estamos no primeiro turno. Eles ainda estão tateando o terreno e entendendo a situação. Mas, se demorar muito, vão ‘comer bola’”, acrescenta César, ao ponderar que o cálculo não pode ser feito de forma afobada.
“Por ora, ainda tem que tatear [o terreno e entender a situação], também não pode ser de afogadilho, porque eles podem trocar os pés pelas mãos. Então, tem de ter certeza aonde vão, mas essa certeza tem que sair rápido. Do contrário, aí, sim, terão problemas”, conclui.
Figura de ‘peso’
O também cientista e doutor em direito constitucional Valdir Pucci destaca o “peso” político do ex-presidente, apesar da prisão.
“Não podemos esquecer que Bolsonaro ainda detém um eleitorado cativo e significativo no campo da direita, algo em torno de 15% a 20% do eleitorado. Não é capaz de, sozinho, fazer um presidente, mas, sim, de garantir uma boa bancada no Poder Legislativo”, analisa.
Para o especialista, o PL ainda deve manter a força nas próximas eleições e continuar a ser uma bancada forte no Congresso Nacional.
“Ou seja, a curto prazo não muda muito para o PL ou para a direita nas eleições do Poder Legislativo. A questão começa a mudar quando falamos, a curto prazo, de eleições presidenciais. Neste caso, acredito que a direita entra enfraquecida para enfrentar Lula em 2026″, pondera Pucci, a respeito de uma provável candidatura à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A indefinição do candidato e a possibilidade real de um racha entre os nomes de oposição podem atrapalhar o sonho de retorno ao Planalto já nas próximas eleições. A família Bolsonaro tentará manter os votos do pai presos à sua imagem e dificultará a vida de alguém que se apresente como alternativa a eles e ao chefe da família”, conclui Pucci.
Apenas um ‘símbolo’
A professora de ciência política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Mayra Goulart acredita que Bolsonaro passará por uma “dinâmica de transformação”, de protagonista para apenas um “símbolo”.
“Era alguém que era consultado. Mesmo nunca tendo sido um grande estrategista na área das elites políticas, entre outros atores políticos, ele tinha um papel importante enquanto polo hegemônico da direita”, avalia.
Para ela, esse processo afeta o papel de Bolsonaro como um articulador do campo da direita.
“Ele vai se tornando cada vez mais apenas um símbolo, que pode ser mobilizado por outras pessoas e por outros candidatos que usem essa simbologia, essa imagem — a referência ao mito. Então, ele vai deixando de ser um player para ser um símbolo”, acrescenta a cientista política.
Mayra também afirma que, apesar de o PL perder o principal ativo, o nome de Bolsonaro na cédula de votação, o partido segue como controlador de boa parte do fundo de financiamento de campanha.
“Então, é um partido que vai ter muito recurso, que elegeu um número considerável de prefeitos e vereadores e que se capilarizou muito nesses últimos anos. A despeito de não ter Jair Bolsonaro na cédula, o PL tem muitos ativos políticos para disputar a eleição de 2026″, constata a professora.
Nome que unifique a base
Para o cientista político Márcio Coimbra, a principal consequência da condenação definitiva de Bolsonaro é o “vácuo de liderança no campo da direita”.
A dificuldade do grupo é encontrar um nome que unifique tanto a base eleitoral fiel ao ex-presidente, quanto a direita tradicional, de olho nas eleições de 2026.
“O desafio central é que os potenciais sucessores — como governadores, senadores ou outros líderes — precisam obter a aceitação da ala mais radical, mantendo, ao mesmo tempo, o apelo junto ao eleitorado de centro que se distanciou das posturas mais extremas“, avalia o especialista.
Coimbra enxerga, ainda, o risco de a direita se fragmentar em múltiplas candidaturas regionais ou de grupos internos ideológicos distintos, o que complicaria a formação de uma frente ampla e coesa de oposição ao governo atual.
“Contudo, é fundamental ressaltar que, mesmo com a ausência eleitoral do ex-presidente, o bolsonarismo como movimento ideológico — que engloba o conservadorismo nos costumes, o liberalismo econômico e o ceticismo institucional — permanece uma força política robusta”, pondera.
Assim, na visão de Coimbra, a discussão não se pauta no fim da ideologia, mas, sim, na construção do porta-voz mais eficaz do legado do ex-presidente.
“Bolsonaro não desaparece do cenário. Ele continua sendo um player importante como grande cabo eleitoral da direita e principal figura de oposição, garantindo que o seu nome e as suas pautas permaneçam no centro do debate político, ainda que impedido de concorrer”, conclui o cientista político.
Fonte: R7