A Operação Carbono Oculto 86, deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI), revelou uma complexa estrutura de atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no setor de combustíveis. O grupo criminoso teria usado empresas de fachada, distribuidoras e fintechs para lavar dinheiro do tráfico, adulterar combustíveis e controlar uma rede que se expandiu por três estados, sendo Piauí, Maranhão e Tocantins. As investigações apontam que o esquema movimentou cerca de R$ 5 bilhões, interferindo diretamente na concorrência, nos preços e na arrecadação fiscal.
O secretário de Segurança Pública, Chico Lucas, explicou durante coletiva de imprensa nesta quarta-feira (05) que a atuação da facção provocou impactos diretos no mercado local e na arrecadação estadual. Até uma distribuidora de combustíveis estava sendo construída pelo PCC no Piauí.
"Essa infiltração do PCC no sistema de combustíveis trouxe um desequilíbrio primeiro para os clientes, que tinham prejuízos diariamente com a bomba baixa, com a alteração qualitativa ao combustível, aos demais postos de combustíveis que sofriam uma concorrência desleal e ao próprio fisco que deixou de arrecadar por conta dessas operações ilícitas", contou o secretário de Segurança Chico Lucas.
Ainda segundo Chico Lucas, as investigações começaram após um aumento expressivo de autuações por adulteração em postos do estado. O Piauí teria sido usado como base logística para distribuição de combustíveis adulterados.
"Desde 2023 nós percebíamos as adulterações, são milhares de autuações, tem posto que tem mais de 20 autuações e o que percebemos é que o Piauí, por ser logisticamente estratégico, sendo a única capital no interior, estava sendo usado como um centro de distribuição. Então a gente viu que esse grupo criminoso estava construindo uma distribuidora de combustíveis adulterados na estrada para Altos, que iria irrigar essa rede não só no Piauí, mas no Maranhão e no Tocantins", falou o secretário Chico Lucas.
Além das fraudes na bomba e adulterações, há indícios de crimes eletrônicos e lavagem de dinheiro envolvendo fintechs e empresas de fachada. O delegado Anchieta Nery, diretor de Inteligência da SSP-PI, explicou que a organização passou a se infiltrar em negócios aparentemente legais, usando o capital proveniente do tráfico de drogas para obter lucros dentro da economia formal.
"Antigamente lavagem de dinheiro era transformar dinheiro que era da venda de drogas, armas, contrabando, em dinheiro lícito. Hoje, na verdade, o foco é ganhar dinheiro em atividades lícitas. Pega-se aquele capital inicial, que era gerado pelo narcotráfico, e você joga em atividades lícitas. Então o PCC inicialmente começou a se vincular com as fintechs, que são entidades de natureza financeira, com a seguinte ideia de mandar cocaína e trazer dinheiro; era caro, fazia duas viagens. Hoje o PCC manda cocaína e recebe dinheiro virtual. Então a ideia, quando o PCC entra nas fintechs, é trazer esse dinheiro de volta. Só que eles perceberam que é muito dinheiro e eles precisam transformar esse dinheiro em atividade lícita. E essas atividades têm se expandido principalmente em três áreas, como distribuição de medicamentos, construtoras e postos de gasolina. A ideia é transformar o capital do tráfico, do contrabando, em dinheiro lícito. Foi assim que a Carbono Oculto foi deflagrada", disse o delegado Anchieta Nery.
Segundo o delegado, 7 pessoas foram identificadas até o momento, incluindo empresários de São Paulo e do Piauí, além de “laranjas” utilizados para ocultar bens e atividades ilegais.
"A gente identificou 7 pessoas. Temos 3 proprietários de pessoas jurídicas, 2 em Teresina, que são o Haran e o Danillo, 1 em São Paulo que é o Denis, temos interpostas pessoas como o Salatiel e o Moisés que passaram a figurar como donos a partir de uma nova estruturação e ainda outros investigados que praticaram crimes como ocultação de bens ou adulteração de combustível. As esposas desses investigados não estão formalmente como alvo de medida restritiva. A Justiça determinou a elas apenas a apresentação do passaporte. Temos uma massa muito grande de dados para ser analisada. Foram alvos de busca e apreensão em Teresina 17 sedes de empresas como construtoras, fintechs, escritórios de administração; algumas delas existem legitimamente e outras são empresas de fachada", afirmou Anchieta Nery.
Entre os investigados está o ex-vereador e ex-secretário municipal de Teresina, Victor Linhares (PP). Ele é alvo do inquérito aberto por organização criminosa e lavagem de capitais.
"O Victor Linhares é uma pessoa de interesse do inquérito de organização criminosa e lavagem de capitais. Essa transação comercial a equipe de investigação acredita que é apenas a formalização de uma relação que já existia entre os operadores piauienses e as pessoas de São Paulo. Essa formalização acontece em 28 de dezembro de 2023. Poucos dias antes disso a gente acredita que esse investigado foi instruído a abrir uma conta em uma fintech BK Bank. Ele recebe um PIX de R$ 230 mil de um dos investigados, movimenta esse valor e nunca mais acessa essa conta. Essa BK Bank foi alvo de operação da Polícia Federal seis meses atrás e já é conhecida há muito tempo como fintech do PCC", disse Anchieta Nery.
O delegado Laércio Evangelista, da DRACO, revelou que o grupo montava uma estrutura física para operar a adulteração e distribuição dos combustíveis.
"Nessa empresa localizada na estrada de Altos eles estariam preparando uma espécie de ponto de distribuição. Eles iriam inovar aqui no Piauí com esse ponto de distribuição. Vamos dar continuidade às investigações. Esse imóvel encontra-se interditado e vamos investigar se eles iam utilizar essa obra como ponto de adulteração", afirmou o delegado Laércio Evangelista.
Chico Lucas detalhou ainda o funcionamento da central de adulteração e o volume de combustível que seria manipulado. Ele reforçou que a estrutura construída tinha capacidade para atender dezenas de postos e movimentar milhões de litros de combustível.
"Essa obra não está funcionando ainda. Um posto de gasolina movimenta milhões de metros cúbicos de combustível. Então você precisava comprar um combustível de qualidade e misturar com as substâncias. Onde eu vou fazer essa mistura? Eu não vou fazer em um balde, tem que ter uma estrutura. Eles estavam montando essa estrutura pra permitir que houvesse o fornecimento de combustível adulterado para 49 postos. Para que isso tivesse um volume e fosse operacionalmente possível, eles estavam construindo essa central de distribuição", explicou o secretário de Segurança.
Os empresários também teriam adquirido bens de luxo e aeronaves com recursos provenientes das fraudes. Segundo Chico Lucas, os criminosos envolvidos viam nas atividades econômicas uma oportunidade de lucro com risco reduzido, comparado ao tráfico de drogas.
"O dinheiro ilícito que veio de São Paulo comprou a rede para operar as fraudes. Um criminoso que vende droga, que tem coragem de matar uma pessoa, pra ele adulterar combustível é um crime de menor potencial ofensivo. Ele pensa em ganhar dinheiro com o risco menor. Essa migração para a atividade ilícita é porque se eles têm coragem de atentar contra a vida de uma pessoa, eles vão ter muito mais coragem de fazer infrações administrativas", afirmou Chico Lucas.
A investigação identificou 7 pessoas, 17 empresas e 49 postos ligados ao esquema. Mais de R$ 5 bilhões foram movimentados pelo grupo nos estados do Piauí, Maranhão e Tocantins.
Entre os principais nomes estão:
- Haran Santhiago Girão Sampaio e Danillo Coelho de Sousa: antigos donos da rede "HD", responsáveis pela expansão do grupo e "venda" posterior
- Moisés Eduardo Soares Pereira e Salatiel Soido de Araújo: empregados utilizados como "laranjas" em holdings com sede em São Paulo
- Denis Alexandre Jotesso Villani: empresário vinculado à Rede Diamante, com participação em diversas empresas, incluindo 12 postos no Piauí
- Rogério Garcia Peres: Gestor da Altinvest Gestão de Recursos e apontado como operador financeiro do PCC
Durante as ações, a polícia também identificou bens de alto valor vinculados aos investigados, incluindo aeronaves e objetos de luxo.
"Eles tinham 4 aeronaves. Uma foi apreendida e as outras 3 estamos fazendo a localização; provavelmente eles tomaram conhecimento da operação e achamos que eles levaram em relógios milhões de reais porque vimos caixas de várias marcas. São relógios que custam centenas de milhares de reais", relatou o secretário.
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